quentado a fossa, colocavam eles grandes folhas de árvores no fundo e aí jogavam os pedaços de carne que queriam fazer cozinhar; a seguir cobriam-nos de folhas, sobre as quais jogavam terra e, finalmente, faziam um grande fogo por cima, que alimentavam até o momento em que julgavam estar cozida a carne, então, ela era tirada da fossa e comida gulosamente. O mesmo autor, no cap. 12° do mesmo livro, diz que logo depois que os jovens acabam de caçar toda a sua presa é entregue às mulheres, que assam tudo do modo que viemos de dizer, sendo as vísceras dos animais dados como carniça aos cães.63 Jean de Léry, em sua América, cap. 9º, nota que assim como os índios do Brasil não comem qualquer alimento enquanto bebem, assim também não bebem enquanto comem, costume que ainda hoje adotam os turcos.64 O mesmo Léry, no dito cap., diz que estes índios fazem cozinhar por suas mulheres o milho ou mais, em grandes potes de cerâmica, cheios de água; daí o tiram, quando meio cozidos, mastigam-no, sem nada engolir, depois jogam-no novamente em outros vasos de barro, prontos sobre o fogo, para fazê-lo ainda cozinhar; aí o remexem até reconhecerem que está suficientemente cozido; então despejam-no em outro vaso e o oferecem para ser bebido logo depois de pronto. Esta bebida é chamada pelos tupinambás cau-in, o beber, cau-iner. Há bebidas vermelhas e brancas, segundo a cor do milho usado; o gosto é como o de um leite azedo. Marcgrave, liv. 8º, cap. 7º, diz que os brasilianos chamam esta bebida abati, e os portugueses, vinho de milho.65 Os selvagens não têm cidades fechadas; habitam separadamente nas matas, ou juntos nos agrupamentos que eles chamam de aldeias; estas tomam seus nomes, ou o do chefe que aí governa, como já notamos atrás, ou o do rio vizinho, o que é mais seguro, tanto por que suas aldeias são sempre construídas perto dos rios, como porque os rios não mudam jamais de nome. Suas malocas têm, às vezes, oitenta passos e mais de comprimento; as portas não se fecham senão com ramos de palmeiras, ou grandes folhas de uma relva que eles chamam pindo. Seus tetos são sustentados por troncos de árvores cobertos das ditas folhas; se temem uma surpresa, fazem uma espécie de barricada em volta de sua aldeia e aí colocam lestipe de palmeiras de cinco a seis pés de altura, com barrotes em baixo, a fim de que os estipes não se toquem. (Léry, cap. 140.) Há diversas espécies de palmeiras ou palmitos. Uma é dita icolt, (por nós, palmeiras de montanha) descrita por Charles de L'Écluse, no 2º liv. de seus Exóticos, cap. 3°. A segunda, Nacuri, que é a verdadeira palmeira dos índios, tem as folhas chamadas pindo, e os índios cobrem com elas as suas malocas, o que mostra que Léry se enganou, ao escrever que estas folhas eram de uma relva e não de uma palmeira, que dá uma noz da forma do tamanho de um ovo de ganso, tendo a casca lígnea, contendo quatro ou cinco núcleos longos, de bom gosto, dos quais se tira azeito. A modula que existe no tronco desta espécie, grossa como a perna de um homem, come-se crua e cozida. Os nativos chamam-na nacuri-ruã. A terceira espécie, meurite-uue, tem seu fruto tão grande como o do precedente, a casca marchetada de pequenas manchas pretas; tem apenas um núcleo, que pode ser comido. A quarta, inaia, dá frutos em cachos, do tamanho das azeitonas, pendendo trezentos a quatrocentos frutos de um mesmo cacho, de sorte que um homem só pode carregá-lo com esforço. A quinta, caranavue (caranaíba, palmeira carnaúba), tem folhas largas como abanos, das quais as mulheres se utilizam para este fim; produz um fruto semelhante à ameixa de damasco, o airi, semelhante ao palmito quanto às folhas, mas o tronco tem todo em volta pontos agudos; o fruto não serve para comer. (Jean de Laet, liv. 15° das Índias Ocidentais, cap. 9º, liv. 16º, cap. 1 1º.) Guilherme Piso, no liv. das Faculdades dos Simples, cap. 10°, chama a palmeira que produz a folha pindo, pindoba, de cuja árvore há florestas inteiras no Brasil. Há, ainda, outros palmitos, como caranaíba (carnaúba) e anache cariri, cujos ramos têm, nas extremidades, como que caudas de pavão abertas, trazendo dáctilo. A casca do tronco é cinzenta e escama-
Relação da Viagem de Rouloux Baro ao País dos Tapuias
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo