33 O milho, aqui, não é outra coisa senão o mais, do qual falamos atrás, que os tupinambás chamam abati (Jean de Léry, na sua América, cap. 9º) O trecho seguinte, de Baro, merece atenção, a saber, que os tapuias pulverizavam os ossos secos dos mortos e os misturavam com farinha de milho ou mais, comendo-os em banquetes nupciais, nos quais os parentes dos defuntos se reuniam tendo já devorado a carne destes imediatamente depois de sua morte, quer tivessem sido abatidos em guerra, quer tivessem tido morte natural; depois de terem esvaziado os corpos, cortavam a carne em postas, as quais eram assadas à sua moda pelas velhas, e dados a comer aos parentes; mandavam guardar os ossos para comer no fim do ano ou em qualquer dia de festa, como foi dito, depois da refeição, tal qual se faz entre nós com pastelarias e confeitarias, à sobremesa. (Marcgrave, liv. 8º de sua História Natural das índias, cap. 12º) Até que os ossos tenham sido inteiramente comidos, os parentes não cessam de guardar grande luto e arrancar-se os cabelos. Ê preciso notar que o nosso tradutor usa, comumente, da palavra milho para o mais, embora sejam coisas diferentes, sendo o mais o nosso trigo da Turquia, e o milho, o milho miúdo, descrito por mim na viagem de François Cauche.34 Dissemos, atrás, que a raiz selvagem do suaçú, transplantada, se chamava Mandioca; ele é do tamanho de uma perna de animal, e de dois pés de comprimento, tendo a forma de um rolo de fumo; produz canas direitas, que sobem à altura de seis a sete pés; são tenras e têm, dentro, uma polpa branca; de meio a meio pé, existe um nó, três dos quais fazem um pau, ou bordão, que, colocado na terra, produz uma raiz como a precedente, em oito ou nove meses. Estes nós ou paus são chamados, pelos brasilianos, maviras, tal como o diz o nosso autor; e quanto mais as raízes ficam na terra mais elas crescem. Existem algumas prejudiciais e outras até mesmo mortais ao homem que as comer cruas; outras são agradáveis e aproveitáveis para todos os animais. Secas, limpas e socadas delas são feitas farinha e também papa, da qual os selvagens preparam bolos muito brancos e delicados. Endurecem-nos e secam-nos na fumaça, sobre caniçadas, umedecem a farinha com água, colocam na em vasilhas redondas e fazem sua provisão para usar em caso de necessidade, guardando-a tanto tempo quanto desejam; depois, quando querem servir-se, esvaziam as vasilhas e, misturando a farinha velha com outra nova, fazem biscoitos, que os selvagens comem quando guerreiam e os portugueses quando estão no mar. Fazem desta farinha uma beberagem que chamam de mingau; misturando-a com a farinha de arroz, produzem pão fermentado, semelhante ao de trigo que sai dos fornos dos nossos padeiros. Há uma espécie de mandioca que se come crua sem perigo; chamam-lhe aipim e fazem dela uma bebida excelente para refrescar a sede. Léry, no cap. 9° de sua América, chamada mandioca, maniot, e diz que ela tem folhas semelhantes às da pana. Acrescenta que os tupinambás chamam a farinha de maniot, se é mole e meio cozida de utipli; a que se está bem cozida de nientae à papa de mingant (mingau); diz mais que os insulares chamam esta raiz íuca, com o que Guilherme Piso está de acordo, como se vê no liv. 4, da Primeira Faculdade dos Simples, cap. 2°, onde diz, além disso que a farinha desta raiz é chamada pelos de Angola e da Espanha de Cosfaui. Há segundo ele conta, diversas espécies de mandioca, sendo a primeira a mandiibabuara. A segunda, mandiibparati, tem as raízes e nós de suas hastes brancas. A terceira, mandijuba. A nona, macaxeira. Que as sete últimas espécies têm as raízes e hastes de um vermelho desbotado. Elas gostam das montanhas e lugares secos, querem ser transplantadas no verão com o tempo seco e nos campos abertos ao sol, e, se possível, nos declives das pequenas montanhas, onde os tapuias costumam fazer os seus roçados, que os portugueses chamam choças, para fazer escoar as águas do céu, depois de ter cortado todas as árvores vizinhas, a fim de prover de ar as canas nodosas da mandioca. Colocam-se os paus desprovidos de folhas um pé dentro da terra, ficando o meio pé que resta com o seu nó do lado de fora; este irá brotar novas folhas e o que está dentro produzirá raízes. Deixam
Relação da Viagem de Rouloux Baro ao País dos Tapuias
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo