Relação da Viagem de Rouloux Baro ao País dos Tapuias

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

Página 97


No dia 15, depois de ter atravessado o rio, tomei três homens comigo, deixando o resto do bando na caça de ratos e, não querendo esperar os outros que marchavam muito lentamente, continuei o caminho. Orientei o meu rumo para o norte, e assim prossegui até o dia 18, quando enviei um de meus homens até aqueles que eu tinha deixado atrás de nós. Nesse dia perdi dois de meus cães, que foram mortos pelos javalis.A 19 cheguei à Serra Montagina, habitada até há pouco por brasilianos, mas na aldeia encontravam-se apenas um ancião e duas velhas, que me disseram não estar ali seu chefe ou principal, dito Diego; mandei procurá-lo por um rapazinho que o conduziu até mim, à tardinha. Disse-me que Janduí lhe dera este lugar para nele habitar com os seus, mas o mesmo não era seguro contra os seus inimigos, motivo por que era obrigado, ao primeiro ruído de guerra, a abandoná-lo e fugir para o mato. Ponderei-lhe que eles eram uns sem-vergonha por nos abandonarem assim e à sua própria nação. Respondeu-me que não eram sem-vergonha, mas que, não tendo recorrido aos seus inimigos, aos quais não podiam resistir, era prudente fugir; oprimidos pela fome em sua aldeia, tinham sido obrigados a procurar seus amigos para obter víveres, quando deles careceram. Sem isso, sentir-se-iam felizes vivendo em paz, pois, devido à sua pobreza, só raramente eram atacados por seus inimigos, e dispunham de todas as matas ao redor para uma retirada segura. Janduí deixara-lhes a liberdade de cultivar estas terras, e eles ali tinham plantado raízes e semeado ervilhas e favas, além daquilo que encontravam nas florestas. Não eram ingratos para com Janduí, a quem davam, liberalmente, uma parte daquilo que haviam plantado e semeado: à hora que ele falava, seus homens estavam nas roças semeando milho; não tinham ainda maviras* ou varas de raízes de fazer farinha, mas Janduí lhes prometera dá-las quando, com o bom tempo, descessem ao vale. Afirmei-lhes que, quando viessem do lado do Rio Grande, eu os receberia cortesmente e pedi-lhes que tomasse cuidado em não ofender ninguém.No dia 22, dois tapuias vieram dizer-me que Janduí se dispunha a marchar contra o inimigo. Resolvi, imediatamente, juntar-me a ele. Diego pediu-me para esperá-lo até que reunisse os seus homens. Pela tarde chegaram três filhos do velho Arara, que me presentearam com mel silvestre.Tendo Diego me indicado com o dedo o lugar onde acreditava que eu poderia encontrar Janduí, partindo do sul para o norte, escolhemos ao acaso nosso caminho, o qual estava coberto de grandes formigas chamadas capeara, que íamos comendo enquanto caminhávamos, com um pouco de milho, até que topamos com um rio chamado Turracoa, que corre da Serra Vvarhauaa, descendo ao mar pelo lado do sul.Chegando o dia 22 de maio, marchamos entre o sul e o poente através de pântanos, matos, rochas e espinheiros, sem encontrar qualquer trilha, até o Rio Itaquera. Aí encontrei quatro homens a cavalo, que Janduí despachara ao meu encontro, e imediatamente, fiz voltar um deles a fim de avisá-lo da minha vinda. Atingimos o quartel-general de Janduí cerca das três horas da tarde, extremamente molhados. Disseram-me que ele tinha partido dez dias antes, deixando apenas as mulheres e crianças, com a ordem de dar-me de comer, caso eu chegasse, e de dizer-me que eu aí o esperasse até a sua volta.Comi do que me deram; os meninos empregaram o dia seguinte e os subseqüentes a procurar mel selvagem para mim, e as mulheres, raízes de mandioca para fazer-me farinha.* O Major Mário Barreto traduziu como "macaxeiras". Ob. Cit., 129. Ver adiante, a nota 34 do Senhor Morisot. ( L. B. R.)