Relação da Viagem de Rouloux Baro ao País dos Tapuias

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

Página 96


porque no sertão havia tapuias e brasilianos que recrutavam todos aqueles que encontravam, o que causava grande temor entre eles; de posse do salvo-conduto, nada mais temeriam, e diriam a todos os que viessem procurá-los que nenhum poder tinham mais sobre eles, visto que pertenciam à minha nação e não à deles; prometiam-me permanecer-nos fiéis e descobrir as traições tramadas contra nós, mediante remuneração. Todos assim o juraram e também os seus chefes, que eram quase em número de vinte e seis. Feito isto, dei-lhes o salvo-conduto, cujo teor era este: Que ninguém se atrevesse a tirar brasilianos destes lugares, nem ultrajá-los por meio de palavras ou de outra qualquer forma. Eles estavam autorizados a construir ali uma nova aldeia, fazer plantações e residir tanto e tão longamente quanto perseverassem em sua fidelidade, obrigando-se a notificar, incessantemente, por mensageiro especial, aos nossos que estivessem no Rio Grande, os atentados e traições que se praticassem contra os nossos. Feito provisoriamente e dependente da aprovação dos Nobres Poderosos, a 11 de maio de 1647.Isto feito, escrevi os nomes de todos, como se houvesse alistado, pelo que ficaram muito satisfeitos e contentes.No dia 12, dois brasilianos e uma mulher apresentaram-se na aldeia, queixando-se de que eu viera para enganá-los e levá-los para fora do sertão, segundo lhes haviam assegurado os de Potengi. Tive bastante trabalho para desfazer este boato, perguntando-lhes de onde tinham tido notícia desta mentira. Responderam-me que fora de um certo Luís Caravana, português, e de um chamado Vitapitanga, tapuia, que era de seu partido. Comuniquei-lhes que se os capturasse, ensinar-lhes-ia a falar a verdade e a não mais fazer correr boatos maldosos contra a minha pessoa; entretanto, que eles se preparassem para partir no dia seguinte, à procura do bom velho Janduí.Cerca de nove horas da manhã seguinte, encontramo-nos ao pé de uma serra, próximo do Rio Potengi, em um belo sítio arenoso onde, outrora, o nosso exército vencera quarenta e oito chefes portugueses, com os brasilianos seus aliados. Alguns de nossos homens repousaram, enquanto os outros foram à cata de víveres, trazendo-nos farinha de suaçú, mel silvestre e ratos.No dia 14, alguns tapuias disseram-me que tinham esquecido, na aldeia de onde partíramos no dia anterior, parte dos presentes que eu destinara a Janduí e madeiras de diversas cores, pelo que retornaram, e de tarde vieram encontrar-me com dois brasilianos carregados de milho, que traziam em meu nome, como se eu lhes tivesse dado semelhante ordem. Perguntei aos tapuias que tinham trazido estes brasilianos quem os havia encarregado de ir buscar milho em meu nome, e eles me disseram querer concluir o luto de um de seus parentes que havia morrido e precisavam de milho para misturá-lo com a farinha e os ossos do morto pulverizados, a fim de comê-los. Zanguei-me com eles por me terem feito crer que haviam esquecido os presentes que eu lhes entregara para Janduí. Responderam-me ter agido assim porque temiam ser despedidos, caso me tivessem declarado sua intenção, e que os brasilianos não quereriam dar-lhes o milho senão em meu nome. ? "Visto que vós vos servistes falsamente do meu nome, retruquei-lhes, quero que estes dois brasilianos que o trouxeram o levem de volta; eu não vim para tirar-lhes seus bens, mas para conservá-los e defendê-los, uma vez que eles são tão meus amigos quanto vós."Os dois brasilianos não quiseram ou não ousaram retomar o milho e, dizendo que lhes bastava saber que os tapuias os haviam enganado, e disso ficavam advertidos, voltaram à sua aldeia. Enquanto isso, aqueles que tinham ido à caça durante o período de repouso tomaram milho e ratos e imediatamente se puseram, com os seus companheiros, a pilar os ossos do morto, que misturaram com a farinha deste milho e, depois de misturado, comeram tudo.