Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil

Escrito por Nieuhof, Joan e publicado por Livraria Martins

Página 81


dado o elevado custo do processo judicial, no Brasil. Depois, quando já se tinha sentença e mandado de execução contra os devedores, o difícil era descobrir onde e como cumpri-lo, pois a maioria dos portugueses reclamava a proteção real. Não conseguindo obtê-la, passavam os lusos a viver incógnitos, principalmente os que não possuíam terras ou bens. Mesmo quando tinham propriedades não era fácil descobrir seus paradeiros. Ademais, se os credores executavam e recebiam propriedades agrícolas, viam-se na contingência de as arrematar eles próprios e mudarem-se para o interior a fim de administrá-las, circunstância essa altamente inconveniente para os comerciantes cujas atividades exigiam sua presença constante no Recife. Quando os devedores eram presos, ficavam no cárcere por conta dos credores, e, com o correr do tempo, tais despesas montavam a somas tais que os credores eram os primeiros a solicitar o livramento dos prisioneiros e com eles fazer o melhor arranjo possível.

Mortalidade entre os negros.

Como se não bastassem esses contratempos, vários outros vieram a eles se reunir, haja vista a grande mortalidade entre negros e brasileiros, vítimas de uma moléstia infecciosa, endêmica entre os nativos, chamada bexiga e semelhante à varíola européia. Esses escravos, em sua maioria, eram adquiridos à razão de 200 ou 300 peças de oitavo, 1 e, conseqüentemente, sua perda acarretava a ruína dos lavradores que ainda tinham que se haver com as pragas e inundações freqüentes causadoras de consideráveis danos aos canaviais. Essa confusão comercial provocou não raros incidentes entre os homens de negócio que, por falta de pagamento, atiravam-se uns aos outros nas prisões, sem contemplação alguma, tratando cada um de garantir seus créditos em primeiro lugar, por meios clandestinos e com prejuízo para os outros. Chegavam a oferecer abatimentos consideráveis e vantagens aos que se prestassem a sonegar mercadorias ou transferir ilicitamente seus bens. Tais imoralidades foram largamente fomentadas por indivíduos de má fé, em detrimento do governo. Muitos foram os que, por imprudência ou incapacidade, perderam seus haveres, atirando a culpa sobre a Regência ou as Cortes de Justiça, na esperança vã de que aquilo que haviam perdido por imprevidência e desídia lhes fosse restituído pelo Tesouro. E, quando acontecia de uma pessoa dever ao mesmo tempo à Companhia e a particulares, surgia grande celeuma quanto à preferência na liquidação.

Também as dívidas da Companhia cresciam diariamente, tendo, nos últimos tempos, atingido a vários milhões. Isso se deu porque os diretores que antes de 1640 dirigiam os negócios no Brasil venderam a crédito


  1. Nota 180: O tradutor inglês escreveu: "300 peças de oitavo" (cf. p. 46, 1a coluna,5 § da ed. holandesa e p. 37, 1a coluna, 2° § da trad. inglesa).