Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil

Escrito por Nieuhof, Joan e publicado por Livraria Martins

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cães, que se havia aventurado pelas inatas vizinhas, perseguido por um tigre, saltou a janela, buscando a proteção de seu dono. O tigre, porém, que o seguia de perto saltou também a janela para dentro da sala, cuja porta estava fechada, e despedaçou dois homens antes que os demais pudessem escapar. Depois dessa façanha, o felino retirou-se calmamente. Há outra espécie de animal, nessas paragens, ao qual os nossos dão o nome de jan-over-zee (joão-de-além-mar) que a todos excede em agilidade e ferocidade. Estraçalha tudo quanto encontra em sua frente.

Gado.

Dispõe ainda o Brasil de grande quantidade de gado, mas lá a carne não se conserva por mais de 24 horas, mesmo depois de preparada. Os batavos separam a gordura e cortam a carne magra em postas finas para secá-las ao sol como se faz com peixe. No Brasil não se pode produzir manteiga porque o leite coalha imediatamente. Esse produto vem da Holanda da mesma maneira que o azeite.

Porcos.

Os suínos brasileiros são negros e pequenos, mas sua carne é muito saborosa e saudável. Há ainda outra espécie de porcos anfíbios, que os portugueses chamam capivaras 1, quase tão pretos como os outros e de carne igualmente boa.

Anta.

Há ainda um quadrúpede, no Brasil, a que os indígenas dão o nome de tapereté e os portugueses chamam anta; 2 sua carne, semelhante à de vaca, é ainda um pouco melhor. Tem o tamanho aproximado de um bezerro, mas sua conformação lembra a dos suínos. Dorme o dia todo no mato e à noite sai em busca de alimento. Nutre-se principalmente de capim, cana de açúcar, repolho e outras verduras. Encontra-se, também, no Brasil, grande variedade de roedores, tais como pacas e cotias 3 além de lebres e coelhos que nada ficam a dever aos seus


  1. Nota 117: Nieuhof (p. 33, 2a coluna , 6° §) escreveu Kapiverres. Gandavo (XXXVI,p. 102); em Soares (LXXXVI, 293), capibaras; em Cardim (XIX, 90), capijuaras; em Frei Vicente Salvador (LXXVIII, p. 40) capyguaras; em Abbeville (XXXVIII,26), capyyuare; Marcgrave (LXX, 20) escreve Capy-bara e Piso (LXXI, 16; XX,p. 10) Capiverres. Rodolfo Garcia (XXXVIII, 26) escreve que o nome é formado decapyi - capim, erva, e guára - particípio do verbo ú comer: o que come capim, o herbívoro.

  2. Nota 118: Gandavo (XXXVI, 103). Em Cardim (XIX, 32) Tapyretê. Em Soares(LXXXVI, 285), Tapiruçu. Em Abbeville, Tapyyre-été (XXXVIII, 76). Laet (L,484), Tapirete. Léry (LII, 124), Tapirussú. Nieuhof escreveu Tapereté ou Antes(p. 33, 2a coluna). Em Marcgrave (LXX, 229) Tapiierete dos brasileiros e Anta dos lusitanos. Segundo Rodolfo Garcia (XXXVIII, 97), o nome tupi é susceptível de várias explicações, mas nenhuma satisfatória.

  3. Nota 119: Nieuhof escreveu Pakas e Kotias (p. 33, 2a coluna ). Laet (L, 484) ; Soares(LXXXVI, 296, 297). Marcgrave (LXX, 224), Paca e Aguti ou Acuti. Cardim(XIX, 33), Acuti. Gandavo (XXXVI, p. 103). Em Abbeville, XXXVIII, 62) Pac.Segundo Rodolfo Garcia, (XIX, 98) foi Thevet quem primeiro descreveu esse animal que chamou Açoutin. Batista Caetano (III, 22) explica que talvez a palavra venha de a de gente e cúr-tl, modo de comer ou tragar, com as patas dianteiras. A etimologia de Pac, segundo Rodolfo Garcia (XXXVII, 62), é pag, acordar, despertar: a esperta, a vívida.[/i]