Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil

Escrito por Nieuhof, Joan e publicado por Livraria Martins

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horríveis na cabeça, sofrimentos indizíveis nas entranhas e vitimam os doentes em poucos dias. Ainda que haja quem atribua esses padecimentos à licenciosidade e ao abuso do leite de coco, o certo é que de 100 estrangeiros, apenas 10 conseguem sobreviver e ainda estes raramente vão além de 50 anos de idade. Entretanto, alguns dos nativos, tal como ocorre com os negros - que lá são todos repugnantes - atingem a idades avançadas. Os primeiros habitantes da ilha foram judeus banidos de Portugal, gente de aparência muito esquisita 1. Pelas montanhas vivem os negros em grandes aglomerações, segregados dos portugueses. Por vezes se aventuram até às portas da cidade de Povoação 2. Chega a parecer milagre que ainda haja quem possa viver em clima tão inóspito, não fora certo que a ambição do ganho minora todos os perigos.

A cidade de Povoação, situada nessa ilha, à beira de um pequeno regato, compreende cerca de 800 ou mais casas e 2 ou 3 igrejas 3. Em 16 de outubro de 1641 foi ela conquistada, assim como toda a ilha, pelo Almirante Cornelis Jol 4, após um sítio de 40 dias, sem grandes perdas. Entretanto, o Almirante, seu ajudante de ordens assim como outros comandantes e muitos marinheiros foram dizimados pelo clima pestilífero da ilha. De 300 brasileiros que tomaram parte na expedição, nem sequer 60 escaparam com vida.

Antes, porém, que passe a relatar o que de interessante ocorreu no Brasil desde a revolta dos portugueses bem como durante os oito anos em que lá vivi, não me parece demais descrever rapidamente o país.


  1. Nota 13: D. João, visando compelir à conversão os imigrantes judeus, vindos da Espanha, ou de, pelo menos, trazer os ainda inocentes à fé cristã, ordenou que todas as crianças de 2 a 16 anos fossem tiradas aos pais e transportadas para a Ilha de S. Tomé, que havia sido descoberta há pouco. Referindo-se a essa ilha, diz Samuel Usque que seus moradores eram lagartos, serpentes e outros muitos peçonhentos bichos, apresentando-se deserta de criaturas racionais. (Cf. João Lúcio de Azevedo, V, 24).

  2. Nota 14: Nieuhof escreve Pavaosa (p. 7, 2ª coluna , 7º § e p. 8, 1ª coluna , 1° §). Adotamos, aqui, a lição de Naber, que, na edição holandesa, p. 272, escreveu Povoação (Cf. VIII, 272). O Sr. Cláudio Brandão aceitou, também, essa grafia (Cf. VII, 391).

  3. Nota 15: O tradutor inglês escreveu (p. 5, 1ª coluna , 2° §): "800 casas e 3 igrejas"; cf. ed. holandesa (p. 8, 1ª coluna 1° §).

  4. Nota 16: Trata-se de Cornelis Corneliszoon Jol, cognominado o Perna de Pau, que teve grande influência nas ações navais da época. Sobre suas viagens e expedições, ver Nederlandsche Raizen, pp. 4269, tomo XIV. E uma coleção de viagens onde se encontram, entre outras, as "Togten en Verrigtingen van Cornelis Corneliszoon Jol, bijgenaamd Houtenbeen, na in de Westindien; in de jaaren 1628 tot 1641" - Expedições e Empresas de Cornelis Corneliszoon Jol, cognominado o Perna de Pau, para e nas Índias Ocidentais, nos anos de 1628 a 1641.