Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil

Escrito por Nieuhof, Joan e publicado por Livraria Martins

Página 2


os danos sofridos haviam sido insignificantes. Todavia, o mar continuou agitadíssimo durante toda a noite. No dia seguinte os marinheiros apanharam um pica-pau, um pombo selvagem e vários outros pássaros arrastados ao oceano pela violência da tempestade.

A 31, navegamos a 45 graus de latitude norte. Na manhã seguinte, 1° de novembro, os marujos arpoaram um porco-marinho. Era tão grande que foram necessários quatro homens para içá-lo a bordo e, ainda assim, com dificuldade. Sua carne não nos pareceu muito agradável; sabia a ranço, razão pela qual os nossos homens não mais quiseram apanhar esses cetáceos, conquanto aparecessem em abundância em torno do navio.

Ao pôr do sol, soprando mais forte o vento, distanciamo-nos dos outros navios que demandavam a Espanha e os Estreitos e que nos haviam acompanhado até a última tempestade, para rumarmos em direção a sudoeste.

Nos dias 2 e 3 ventou muito com trovões e relâmpagos, o que nos forçou a colher as velas grandes e bombear energicamente, porque, desde a última tormenta, o navio passara a fazer água.

Outra violentíssima tempestade.

No dia 4 encontrávamo-nos a 40 graus e 30 minutos quando, pela meia-noite, o vento soprou com impetuosidade. Tal foi, então, a sucessão de relâmpagos pela noite adentro, que, em torno de nós, a atmosfera parecia incandescente. Durante essa calamidade percebemos pequenas chamas ou luzes, fixas ao mastro: fogos pacíficos, como os chamam os marinheiros. Supõe-se que esses fogos sejam causados por certos vapores sulfúricos que a violência dos ventos traz da terra para o mar, onde se inflamam pela tremenda agitação do ar e ficam queimando até se extinguir a substância oleosa que contêm. Os marinheiros têm-nos como indício de que a tempestade tende a amainar e parecem ter razão, pois desde aquele instante, a fúria dos ventos foi cedendo.

Passagem dos BARRÍS.

No dia 5 passávamos os Barris a 39 graus. De acordo com uma velha usança, todo aquele que por aí ainda não tenha passado, seja qual for sua condição ou qualidade, é obrigado a se batizar ou a se redimir dessa exigência. Amarrasse uma corda à cintura do neófito que, a seguir, é guindado ao ponto mais alto do gurupés e daí atirado ao mar três vezes consecutivas. Muitos há que ficam horrivelmente pálidos, nesse momento, mas, também, há os que prazerosamente se dispõem a fazê-lo e, por uma dose de vinho espanhol, de bom grado se deixam batizar novamente pelo capitão ou pelo comissário. Todavia, esse costume foi ultimamente abolido por ordem expressa da Companhia, a fim de evitar as rusgas e conflitos que quase sempre surgiam nessas ocasiões.