Historia Natural Médica da Índia Ocidental

Escrito por Piso, Guilherme e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

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e fria, extraída da planta Urucatú, bem como dos ramos do cardo praieiro, porque ainda desconhecem o uso do ópio.Como os narcóticos, não imerecidamente, são muito elogiados em todas as Índias, onde grassam doenças agudíssimas com orgasmo dos espíritos e humores, sobretudo os perigosos fluxos sanguíneos do ventre, catarros e hemorragias contumazes, vale a pena inserir aqui, resumidamente, algumas cousas a respeito do abuso dos narcóticos, a fim de que, para se captar a simpatia popular, como acontece muitas vezes, não se exerça antes o papel de adulador que de verdadeiro médico, lançando a outrem em gravísssimos perigos. Não se dão narcóticos, sem risco, aos que sofrem de humores crassos e doenças frias, e aos exaustos de forças já pela veemência da doença, já pelo imoderado prazer sexual. Nem se ministrem nas doenças nascidas de diarréia, antes de haver algumas evacuções gerais, porque, com evidente perigo para o doente, oprimem o peito e encerram o inimigo. Porém, se dor atroz, e insônias provêm da debilidade dos espíritos e humores, com intensificação da febre e do tormento, não só os aplacam, mas ainda armam a natureza contra o inimigo e o propelem ao exterior, com suores profusos, o que não raro acontece nas regiões quentes, e o espírito vencedor se espalha para fora, donde as doenças e os sintomas são eliminados. Pois, quanto a dissolução é benigna aos espíritos e humores coagulados, tanto é agradável e aceita aos dissolvidos a coagulação, a qual condensa os hálitos sutis, detém os ferozes icores, mitiga os sucos cáusticos.Quis dizer estas coisas de modo geral acerca da cura das doenças agudas, mormente das febres. Os estrangeiros, intemperantes, mal escapam às defluxões e opilações crônicas, donde não raro derivam febres, fluxos de ventre e outras doenças mais graves. Não se previnem bem contra as cruezas, autênticas sementeiras de doenças, em virtude das causas já mencionadas. Produzem flatulência os vapores provenientes delas; condensados na cabeça, produzem defluxões; nos outros membros e vísceras, dão origem às obstruções; donde se segue a putrefação ou a inflamação. Parece-me que a intempérie dos humores e as moléstias daí decorrentes provêm de alguma destas causas.