revela os remédios conhecidos pela experiência. Depois, com os espinhos das arvores Carnaiba e os dentes dos peixes, com que aguçam as setas, escarnam e cortam profundamente a pele nas partes musculosas dos braços e das coxas, e livram os membros da perda das forças. Praticam mais ou menos a mesma coisa por meio de forte sucção, aplicando a boca aberta à parte doente. Com folhas silvestres enroladas, que enfiam na garganta, provocam à força o vômito. Depois de terem sido aplicados, baldadamente, estes e outros remédios semelhantes, nada mais tentam; contudo não abandonam o doente; mas por consenso unânime, como desesperados de sua saúde, matam-no cruamente com clavas de madeira, congratulando-se todos com ele, e ele consigo mesmo, por lhe tocar em sorte morrer virilmente, subtraindo-se destarte a todos os sofrimentos. Regozijando-se, disto se gloriam no próprio momento da morte, como da eutanásia. Não com menor aplauso cometem sevícias no cadáver de um parente do que no de um inimigo vencido; no daquele, por causa de selvático amor, no deste por feroz vingança, dilacerando-o como as feras crudelíssimas e sepultando-os dentro em si. As carnes de um e outro (salvo na morte por peçonha), raspadas até os ossos com os dentes, servem-lhes de selvagem repasto. Os cadáveres dos próceres são comidos assados pelos outros nobres, exceto os ossos que, conservados pelos consangüíneos próximos para os banquetes núpciais, e, esmagados em partículas muito diminutas, são devorados em vez, de doces. Antes de os consumir, arrancam a si próprios os cabelos em sinal de luto. Não posso deixar de ajuntar a estas cousas os prestígios com que os verbipotentes feiticeiros (também tidos em estima de médicos) e outros adivinhos se impõem ao povo, com embustes, e persuadem aos infelizes que dos seus corpos expelem animais, pedras e outras cousas, que vomitam na presença daqueles. Até os régulos se arrogam a faculdade de curar. As mães levam-lhes os filhos doentes, que por eles são esfregados e cuspidos com tabaco, se entrementes morrem, são comidos pela mãe e pelos consangüíneos. Ninguém, pois, se admire se os asiáticos tiveram maior conhecimento das ervas do que os americanos, quando estes, não contentes com os animais,
Historia Natural Médica da Índia Ocidental
Escrito por Piso, Guilherme e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo