Historia Natural Médica da Índia Ocidental

Escrito por Piso, Guilherme e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

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certa de se alimentarem. Não admitem que para o bem ou para o mal haja depois da morte prêmios ou castigos. E entretanto imaginam que são imortais as almas dos que a morte extinguiu. Gostam do ócio e evitam os grandes trabalhos, vivendo tranqüilamente cada dia. Julgo, com Hipócrates, ser razão disso que o mesmo aspecto das cousas e dos tempos, que se mantêm uniformes, gera a indolência e a variedade excita o espírito e o corpo aos trabalhos. E, até, com o ócio e o repouso cresce a preguiça; com o exercício, porém, alimenta-se o vigor da mente e do espírito. Contam a idade e o decurso da vida pelo nascimento helíaco das Plêiades, o que ocorre no mês de maio. Para que possam reter o número de anos de sua idade, anualmente guardam uma castanha de Acajú, que dá uma vez por ano, por volta de janeiro. As mulheres, pudicas, não feias, são extraordinariamente fecundas, desde os oito anos até além dos sessenta; e até já foram vistas setuagenárias amamentando crianças órfãs. Dão à luz com facilidade, sem assistência obstétrica, e mui raramente abortam. A maioria das puérperas levantam-se imediatamente depois do parto e vão lavar o corpo no próximo rio, e diligentemente voltam para os que fazeres domésticos, buscando aqui e acolá o alimento. Não choram por mais de dois ou três dias os filhos mortos, enchendo as mães toda a casa de prantos lastimosos. Derramando lágrimas " e podem fazê-la à vontade " recebem os parentes e amigos, que voltam, com muitos suspiros e gemidos, lamentando as tribulações suportadas em viagens, e lançam-lhes ao pescoço os braços e apertam-lhes a cabeça ao peito. Outrora, antes de conhecerem os lusitanos, eram numerosos e quase infinitos; e as aldeias, por toda parte, eram tantas que os mais entendidos exploradores das Índias duvidaram se haveria região no mundo mais povoada que o Brasil. Agora, porém, estão reduzidos a pequeno número, pois, pela crueldade dos lusitanos, uns foram quase totalmente exterminados, outros arrastados à mísera escravidão, outros obrigados a salvar-se fugindo e ocultando-se no interior do continente. Os neófitos que vivem entre os lusitanos e flamengos seguem a Cristo e sua religião, mas um tanto friamente. E os adultos são tão relaxados a esse respeito, que com