Historia Natural Médica da Índia Ocidental

Escrito por Piso, Guilherme e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

Página 32


muito molesto e nocivo, e quase lhes tira toda esperança de passar vida feliz nestas e noutras plagas das Índias. Os indígenas, não o ignorando, alimentam fogueiras permanentes junto às redes, de sorte que por este meio afastam de si os insetos venenosos, o frio noturno e os vapores da terra.Demais, o nascer e o pôr do sol, em linha reta, tornam os crepúsculos muito breves, as noites iguais aos dias, de sorte que nem se percebe a diferença de uma hora. Nas noites estivais o frio é mais intenso; nas invernosas " e isto é de se admirar " muitas vezes é mais suave, ficando o ar tranqüilo e carregado, por toda parte, de nuvens, ameaçando chuvas. Os lavradores costumam anunciar dias serenos e propícios às sementeiras depois das noites mais frias que de costume, e os médicos prognosticam forte e válida constituição do corpo. O contrário ocorrerá, se precederem noites tépidas.O início do tempo chuvoso começa em março ou abril, e acaba em agosto, quando o sol, de volta do Câncer, em parte dissolve a matéria da chuva em ventos, donde se originam tempestades e turbilhões. Estes se prolongam pela primavera, quando se acalmam. Os íncolas do Brasil e os demais dos trópicos (são por isso denominados anfrícios) conhecem a diversidade das sombras projetadas ora para o Sul, ora para o Norte, mas não sabem distinguir a mudança das estações do ano, como julgaram o doutíssimo Scaliger1 e outros filósofos de não pouca monta, isto é, mudanças resultantes da dupla aproximação e retroversão do sol; mas apenas observam o seu afastamento do Equador para os trópicos de Câncer e Capricórnio, até que para ali volte e complete o equinócio. Atesta Próspero Alpino2 que no Egito, em um ano, ocorrem dois verões; deve julgar-se que isso provenha não tanto por influência do sol, como pelas admiráveis altas e baixas do Nilo.Só há duas estações anuais: uma quente e seca, denominada verão; a outra, quente e úmida, semelhante à primavera européia, faz as vezes de inverno. Em todas as Índias, dentro de ambos os trópicos, percebe-se que isto é exatíssimo. Embora o início e o fim do inverno e do verão, por causa dos in-


  1. Nota 26: Júlio-Géisar Scaliger (1484-1558), célebre filólogo. Traduziu en> latim a História dos Animais de Aristóteles, o livro das Insônias de Hipócrates, e anotou o Tratado das plantas de Teofrasto, e o que tem o nome de Aristóteles. Entre suas obras estimam-se: De Causis linguae latinae lib. XIII, primeiro tratado de gramática, escrito com espírito filosófico, e Poetices lib. VII.

  2. Nota 27: Próspero Alpino (1553-1617), médico e botânico. Deixou grande número de obras muito curiosas sobre a medicina, as plantas e a história natural do Egito, as plantas exóticas, etc. Seu tratado de Medicina methodica, lib. XIII, é a melhor fonte para o estudo da doutrina de Temisão, de quem ele se mostra partidário.