História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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L. V.

Não faltaram razões aos conselheiros da destruição de Olinda, tais como poder ela tornar-se um valhacouto de inimigos e exigir, para a sua defesa, soldadesca numerosa e entrincheiramentos. Ao contrario, soem a piedade e a humanidade poupar as coisas que não dispõem de muitas forças para fazer guerra. Com acerto diz Políbio ser de raivosos o destruir aquilo que, destruído nem abate os inimigos, nem traz vantagens aos destruidores.E Cícero, na segunda Verrina [^nota-236], louva a Marcelo por ter poupado todos os edifícios públicos e privados, sagrados e profanos de Siracusa, como se lá fora com um exército não para expugná-los, mas para defendê-los. Em reverência da religião, era familiar aos gregos e romanos conservar intactos os templos dos deuses. Com quanto maior razão se deve exigir isto de cristãos, posto que dissidentes do sentir, das opiniões e do culto dos maiores. Assim como é grato aos vencidos ver a inteireza dos lugares onde costumavam honrar a seu Deus, assim também é decoroso aos vencedores livrar do furor o que pertence a Deus.Conhecendo o inimigo as vantagens que o porto e os rios conferiam ao Recife e à Ilha de Antônio Vaz, antes atacara aquele com um estratagema, sabendo que, à conta do rio que corre entre ele e a dita ilha, não seria possível mandarem-se-lhe desta socorros, mormente na vazante da maré. Tendo passado além da costa e dos baluartes, já estava prestes a cair de improviso sobre os incautos, se por acaso um marinheiro, tomando um pau aceso na ponta, não desse fogo a um canhão contra os atacantes; que, tendo, com o estrondo, suas linhas em desordem, se puseram em fuga.

Razões que induziram ligar-se a ilha ao Recife

Maurício, depois de ter muitas vezes examinado os portos c os inúmeros lugares do Brasil abordáveis e defensáveis, julgou que este sítio bastava sozinho para a sua própria defesa e que era capaz de se tornar, sem grandes obras, inacessível e inexpugnável. E para isso, aconselhou a ligação da ilha ao Recife por meio de uma ponte, facilitando o transporte do açúcar para a ilha, pois este só se podia fazer durante o refluxo da maré e não sem dano, porque amiúde eram os carregamentos atingidos pela água e pelos respingos das ondas. Além disso, a passagem mediante barcos era perigosa, tendo eles mais de uma vez soçobrado, já pelo peso e o excesso das cargas, já pelo açoite dos ventos. E em muitas ocasiões, foi preciso desistir-se de atravessar por causa do mar proceloso, da barra alvorotada pelos temporais ou da violência da maré. O que Nassau continuamente alvitrara por fim persuadiu, e resolveu-se lançar a ponte sobre o rio.