História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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pela inópia de vitualhas. Cumpre, portanto, fomentar, com privilégios e concessões, a cobiça dos holandeses, sobretudo daqueles que se animarem a construir novos engenhos e a encetar a plantação de cana. Sabemos ter feito isto o rei da Espanha, o qual concedeu a tais colonos, no primeiro decênio, isenção de impostos, obrigando-os depois, pelo tempo adiante, somente à metade deles. A mudança da situação não consente façam os nossos a mesma coisa, visto como as partes vizinhas do litoral estão ocupadas pelos seus donos, e as mais distantes afastam os novos colonos pela dificuldade de transportes, pelo preço destes e pela carestia de mantimentos. Faz-se, pois, mister imaginar outra negaça para os cobiçosos de lucros e suprir com o engenho a míngua pública. A nossa Holanda é abundante de artífices mercenários: ferreiros, mestres de obras, pedreiros, cinzeladores, uma onda de alfaiates e sapateiros, marceneiros, torneiros, vidraceiros, oleiros, canteiros, latoeiros, xaireleiros e tantos outros desta espécie, que poderiam cansar até o loquaz Fábio [^nota-122] Na Pátria eles se mantém a custo com o seu mister (julgando cada um que é de pobreza a sua profissão. Se passarem para o Brasil, poderão provocar à inveja a sua antiga fortuna e perceber jornal mais pingue. De feito, em parte nenhuma, não existe trabalho sem salário, nem salário sem trabalho. Em via de regra, o trabalho e o salário muito dessemelhantes em sua natureza, gostam de andar juntos, numa sociedade natural [^nota-123].O jornal dos mestres de obras são seis florins e o dos seus ajudantes três ou quatro florins. Os mais elevados são os dos trabalhadores de engenhos. É necessário atrair esses obreiros para na, Holanda não serem pesados ao erário público, nem se atirarem como pobres às bolsas dos particulares. É preferível mandar para o Brasil esses a remeter para lá os criminosos, os infamados por suplícios e a maruja de Ulisses [^nota-124]. Isto é familiar aos espanhóis, e a escória de tais perdidos, por eles despachadas para o Brasil, produziu progênie mais viciosa, a qual, guardando os vestígios de sua ruim procedência, não faz distinção entre o justo e o injusto. Onde os oficiais mecânicos fizeram um lucrozinho, compram um campinho e interpretam os primeiros favores da fortuna que os afaga como promessa de maior fortuna.

Quando são úteis os colonos e as colônias.

Será muito promissor o estabelecimento de colônias, se se der aos colonos uma habitação garantida; se presidirem à república homens incapazes de fazer agravos aos súditos e de usar despoticamente do poder; se boas leis regularem o comércio. É, porém, pernicioso e desairoso àquela república enviarem-se-lhe indivíduos im