História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Três classes de homens próprios para a colonização.

peritos de qualquer arte ou mister, porque todo o seu meio de vida está nas tavernas e tascas e, expulsos destas, são compelidos a viver ou do suor alheio, à moda dos zangãos, ou de alguma atividade flagiciosa. São próprios para a colonização três espécies de homens: 1°, aqueles que, providos de cabedais, gostam de aplicar-se à exploração dos engenhos; 2°, os que vivem de um ofício; 3°, os que, depois de terem servido à Companhia, se empenham em beneficiar a nossa possessão, dedicando-se à agricultura [^nota-125].Para o trabalho dos engenhos e da lavoura são necessários negros, que se tem de comprar, porquanto os nossos patrícios levados para o Brasil, ainda mesmo que tenham o corpo muito exercitado, não toleram essas tarefas, por enervar ainda os mais fortes ou a mudança do clima ou a da alimentação, gerando neles imperceptivelmente a preguiça e o torpor, de modo que a desídia, a princípio odiada, começa por fim a ser-lhes agradável. Esta fraqueza não se verifica só no homem, mas também nalgumas coisas da Europa, ainda mesmo inanimadas, como o ferro, o aço, o latão, e tanto mais em seres corruptíveis e putrescíveis.Dos holandeses que se dedicaram ao granjeio da lavoura e dos engenhos muitos recobraram a riqueza antiga, de sorte que se pode esperar com fundamento alcance o Brasil, em poucos anos, a importância que teve sob o rei. Já sobe o preço do açúcar, que se manteve baixo por muito tempo.

Portugueses.

Os portugueses (esta é a segunda categoria dos habitantes) ou se estabeleceram no Brasil há muitos anos atrás, sob o domínio dos seus compatriotas, ou então, pertencendo à seita judaica, transmigraram recentemente da Holanda para ali. Compram terras e engenhos e os exploram com diligência. Os mais deles habitam no Recife e forcejam por dominar quase todo o comércio. Outrora, foram na maioria senhores de engenhos e hoje compram aqueles cujos donos fugiram em conseqüência das guerras. Tem eles os seus trabalhadores, que plantam cana e fabricam açúcar, tarefa até hoje negada aos nossos patrícios, por lhes faltar perícia de temperá-lo e de purgá-lo, embora sejam capacíssimos noutras artes. Entretanto, não toleram também os portugueses esses afãs, ordenando-os aos negros, mais aptos para ser mandados do que para trabalhar. A maioria dos portugueses nos são infensos, mantendo-se quietos só pelo terror, mas, apresentando-se-lhes ensejo, mostram-se contra nós desaforados e descomedidos em palavras. Antepõem a sua vantagem à boa fama e à lealdade; ocultam contra nós a sua cobiça