Ouvi ao Conde que no Brasil não se pode proceder por outra forma; que embalde se esperam socorros da Holanda, pois os diretores não levam em conta o que se lhes escreve; que não se mandam tropas auxiliares, e que a soldadesca, ai conscrita tumultuáriamente em bambochatas e tavernas, pega em armas para matar a fome. entrando na milícia o refugo das cidades, para o qual é maior a necessidade de se comportar mal. Assim, far-se-ia mister aqui, disse ele, um recrutamento mais conveniente, formando-se para a milícia os desconhecedores dela, que nunca tenham visto nem o inimigo nem os acampamentos, que nunca tenham desempenhado nenhum ofício militar.São estas as justificativas desse modo de proceder, e não sem plausibilidade. Entretanto, o que se afigura conveniente aos que vivem no Recife é tido por inconveniente pelos dirigentes da milícia, tornando-se improfícuos e fracos os planos de guerra â conta das companhias deficientes, algumas com uns 18, outras com uns 40 homens, e esses sem permanência nem estabilidade, mas errantes e mesclados, trocando cada um sua companhia por outra. Se prouver conservar-se este sistema nas companhias com ele habituadas, deveria ao menos o meu regimento, favorecido com tantos privilégios, escapar dele, conservando-se intacto.Logo ao chegar, observando que com tais desacertos se poderia manejar mal esta serra, procurei os conselheiros e perguntei-lhes seriamente se ratificavam a cláusula que contratara com os diretores da Companhia sobre ser-me deixada livre a minha soldadesca. A princípio anuíram, parecendo extravagante controverter-se esse ponto. Logo depois, começando-se a desfalcar meus soldados, quando me preparava para reclamar, responderam-me que eu ainda podia abrir mão de muitos. Desde então, como que rasgado o véu. patenteou-se quais árbitros de minhas coisas encontrara e qual ia ser a situação da minha milícia. A vós, Excelentíssimo Senhor, que tomastes parte saliente naquela assembléia aí na Holanda, qual era instado para esta província, não vos esquece ter-me recusado e não querer assumir novo compromisso com a Companhia, por causa deste costume inveterado de se administrarem mal as companhias e regimentos. Por isso pedi a todas e a cada uma das câmaras da Companhia e aos Estados Gerais cartas autenticadas para ficar isento destes estorvos, comandando meu regimento, sem ser ele modificado ao nuto e arbítrio de ninguém. Onde a fidelidade ao prometido, onde o respeito sagrado dos contratos? Até que ponto se arruinou a autoridade da Companhia ou dos mesmos Estados Gerais,
História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.
Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife