Em todo o caso, poderia eu dissimular essas misérias e, em atenção à República, perdoar uma ofensa privada, esperando que se desfizesse pelo desprezo a calúnia e que, amansada pela minha benignidade, se aplacasse para mim a improbidade. Foi tal, porém, o atrevimento deste homem que não enrubesceu de ler (sem dúvida para ter graves testemunhas da sua imprudência) a carta, injuriosa a mim e ao Conselho, por ele dirigida a uma figura preeminente da Companhia na Holanda, deprimindo, além disso, a minha estima entre os meus domésticos. Já parecendo formarem-se partidos perniciosos a República e aos quartéis, levei o fato ao conhecimento do Conselho, pedindo-lhe instantaneamente ou a minha demissão ou a de Artichofski.De ordinário, ainda sem discórdias civis, já são bastantes os nossos males, e não foi vão o receio de que o inimigo se aproveitas-se dessa questão para arruinar-nos, por se haverem enfraquecido membros importantes para o corpo todo inteiro. Assim, demitido Artichofski pelos votos do Supremo Conselho e do Conselho de Justiça, volta para junto de vós afim de vos referir talvez o que se lhe afigurara especioso e a mim pouco verdadeiro. A vossa prudência cabe ouvir-lhe o arrazoado, com tal que não seja em contumélia minha e se me conceda direito igual de defesa. Com a partida dele, haverá paz para o Brasil, e os ânimos dos soldados, movidos destas más artes, obedecerão ao capitão-general com mais reverência e mais igualdade".A carta de Artichofski escrita ao ilustre von der Borg, burgo-mestre de Amsterdam, da qual resultou esta pendência, era do teor seguinte. Como tradutor, apegar-me-ei às suas palavras para não ser tachado, pela liberdade delas, de injusto para com o autor.
Carta de Artichofski ao Sr. Alberto C. van der Borg, diretor da Companhia
"Excelentíssimo Senhor." "Não imputeis a negligência minha a tardança destas letras, senão à minha saúde desfavorável, a qual me incomoda tanto, prendendo-me no leito e quebrando-me as forças com dores renais, que, após repouso de breve tempo, mal resisto o escrever-vos estas poucas regras.Abala-me o sentimento dos males públicos e das queixas de muitos, de sorte que venho derramar estas lágrimas em vosso seio com no de um pai. Antes, porém, de começar a lembrar as misérias da república, direi que é tal a situação do Brasil, que nem somos nós atacados pelo inimigo, nem ele por nós. Com a mira nestas empresas e tentames, mantemo-nos parados, pois nos faltam armas e