História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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res tempos para se vingar do inimigo e da inveja. A seu tempo, memorarei o quanto fez ele depois em prol da Companhia e do bem público, em que esquadra foi outra vez ao Ocidente e depois à África, as praças, portos e ilhas que tomou.

Camarão envia emissários ao Conde - Caráter versátil de camarão

Ao tempo que, no extremo Ocidente, se verificavam os infelizes sucessos que me detive a referir, vieram ter com o Conde João Maurício, da parte do capitão dos índios Camarão, três emissários, os quais lhe informaram que, ressentido, aquele chefe abandonara com suas forças ao Conde Bagnuolo e se acampara no sertão, perto da Torre de Garcia de Ávila. Vinham eles pedir-nos paz e aliança, afim de poderem todos voltar para suas terras e aldeias. Nassau, não ignorando reverterem as discórdias do inimigo em proveito seu, recebeu-os cortesmente e, convidando por carta Camarão à nossa amizade, despediu-os com presentes. Logo, porém, correu voz que ele, por ser de caráter versátil e mutável em suas resoluções, se reconciliara com Bagnuolo.Também se tinham separado desse general dos espanhóis, por desinteligências com ele, oitocentos tapuias, ficando então o território inimigo franco às invasões dos holandeses, que ganhavam ousio para destroçar os baianos num famoso desbarate. Mas, por falta de soldados e pela vã expectação de novos reforços enviados da Holanda, languesceu e frustrou-se aquela audácia.

Reclamações.

As representações e cartas dirigidas pelo Conde e pelo Supremo Conselho aos poderes da Holanda estão cheias de reclamações e pedidos instantes e suplicantes de socorros.Alegavam que se ofereciam oportunidades para grandes tentames, as quais se perdiam pela incúria de outros; que falavam, porém, a surdos. Ordenavam-se trabalhos no Brasil, mas noutras partes agradavam os ócios. Nem Deus, nem a fortuna negavam a vitória e sim os homens. A inertes não queria o Céu conceder os êxitos da guerra. Adquirem-se possessões com soldados, armas c exércitos, e não com desejos inativos de longe e só com boa vontade. Mandavam-se copiosos escritos, cartas e promessas, mas negavam-se os meios com que soem defender-se os domínios. Eram insuficientes para matar a fome os mantimentos, e não bastavam tão pouco as coisas necessárias à soldadesca, à guerra e à defesa do império contra os adversários. A expedição de Jol a tal ponto reduzira o número das naus e dos marinheiros que se viam sem forças para resguardar o mar, mormente se sobreviesse por acaso o inimigo com um novo poder.