História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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todos antes suspender o cerco tentado que lançar em maior discrime e incertezas do acaso o resultado geral da guerra, pois era preferível reter as possessões a esperar de um tentame vão êxitos duvidosos, e a insistir numa empresa ancípite.Às vezes cede o ânimo generoso à necessidade, e, inferior às forças da fortuna, atende à utilidade pública que fala; porque, se a gente não adere a resoluções mais arrazoadas, tem de sujeitar-se a quem segue com obstinação caminhos incertos. Mais facilmente persuadiria eu destas razões os espíritos vazios de paixão ou os não sujeitos a ela, e menos facilmente os malévolos e aqueles que só avaliam as virtudes de um general pelos seus êxitos. Em nós é vezo comum julgarmos ser dado a um general ganhar com as armas tudo quanto abrangemos em nossos desejos, e estar patente aos soldados quanto o está à cobiça. Estivéssemos na situação deles, e outro nos seria o pensar. Notam os historiadores que raro se faz um exército retroceder ou se dá o sinal de retirada sem algum perigo. Nassau fez isso, porém hábil e militarmente.

Faz-se cautelosamente a retirada

Estando tudo combinado e disposto para a partida, recolhida às naus a soldadesca, o aparelho bélico e até mesmo a artilharia tomada ao inimigo, preparou sem estrépito a retirada. Para evitar que os soldados a percebessem intempestivamente, comentando-lhe às tontas o ato, ordenara antes Nassau se transportassem do acampamento para as naus as peças de artilharia, como se fosse trocá-las por outras, o que acreditou a soldadesca. Determinou que muitos saqueassem a ilha próxima e que se deixassem no acampamento as mulheres dos brasileiros, com as quais marcham estes para a guerra, afim de afastar do espírito dos seus a suspeita da retirada. Além disso, no próprio momento de sair, empregou os sapadores em reforçar as munições, em levantar baterias e em estender trincheiras, para que o inimigo nada percebesse da retirada e não fosse atacar pelo desfiladeiro a retaguarda dos retirantes. Ficou a operação oculta aos portugueses, os quais, em nascendo o dia, atiravam contra o nosso arraial com o mesmo furor de antes, até que, pelas nove da manhã, já não observando movimento no nosso campo, cessado o tumulto das armas e da guerra, saíram de suas fortificações e encontraram vazios e abandonados os entrincheiramentos dos holandeses. Incendiando aí as barracas, testificaram da cidade o seu efuso regozijo com salvas de artilharia.Nesse mesmo dia, conservou o Conde a nossa armada no próprio Recôncavo, distribuindo os soldados pelos vasos. Mandou um corneta à cidade para tratar do resgate de sessenta prisioneiros, mas