História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Isidoro, t. 17. c. 7

qual seja aquele suco diferente do açúcar que se encontra numa cana da Índia e da Arábia: "Não poderia com esse suco rivalizar o doce mel", como traz o verso de Varrão [^nota-87], e do qual diz Lucano: "Quique bibunt tenera dulces ab arundine succos" [^nota-88], pois nada impede o beber-se diluído em água o licor do açúcar. Fiquem, porém, estas indagações abertas ao exame dos eruditos e dos intérpretes dos velhos textos.A cana sacarina não atinge a altura de uma árvore, mas a do milho e de outras canas, erguendo-se em cálamos de sete a oito pés, com uma polegada de grossura. É esponjosa, suculenta e cheia de um miolo doce e branco. Têm as folhas dois côvados de comprimento, a flor é filamentosa e a raiz macia e pouco lenhosa. Desta saem rebentos para a esperança de nova safra. Gosta de solo úmido, clima quente e ar mais tépido. A Índia Ocidental é feracíssima destas canas, conquanto também as produza a Oriental. O sumo das primeiras é de louvar pela limpidez e utilidade, e esta utilidade conhecem-na as cozinhas e as farmácias, os sãos e os enfermos, pois serve o açúcar de alimento e de remédio. É depois da manteiga, um regalo da nossa alimentação e um grato estímulo da gula nos doces e nas sobremesas.O processo de fabricá-lo, ignorado pelos antigos, é o seguinte [^nota-89] :

Fabricação do açúcar.

Arrancadas as canas e limpas das folhas, cortam-se em pedaços de um palmo de comprimento. Assim cortadas, são espremidas numa prensa, recebendo-se o sumo numa caldeira de cobre. Diluído ele em água, ferve durante número certo de horas e vai-se escumando. Evaporada a água, despeja-se nuns vasos de barro - as fôrmas -, que têm o feitio de meda ou pirâmide, e aí cristaliza como sal. O buraco dessas fôrmas, a princípio tapado, conserva o açúcar coalhado e úmido: abrindo-se depois, deixa passar o mel para purgar o açúcar. Depois cobre-se de barro a cara da fôrma, porque se acredita que, repetindo-se várias vezes esta operação, se expelem mais completamente as impurezas, e o açúcar clareia mais. Este é o primeiro trabalho que ele reclama. Entretanto, há mister novas manipulações e cozeduras para se obter um açúcar mais puro e clarificado. Assim, derrama-se no açúcar mais impuro uma lixívia de cal viva e claras de ovo, e, mexendo-se sem parar, escuma-se o caldo, limpando-o das impurezas, e, quando ele, fervendo, ameaça entornar-se, impede-se isto com deitar-se-lhe um pouco de manteiga. Coam-no depois num pano grosseiro ou numa estopa, não estando ainda absorvida toda a lixívia, para se apanharem as fezes que por acaso