História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Produções. Açúcar - Mandioca - Outros frutos - Cajus - Ananases - Animais.

próximas do rio são planas: as mais distantes, entrecortadas de montes e de vales, são notáveis pela sua completa amenidade. Aquelas produzem cana-de-açúcar; estas, mandioca. Constitui o açúcar uma das delícias para o estrangeiro, e a mandioca é um alimento para os naturais. Das raízes desta fabricam uma farinha, que lhes serve de trigo e de pão. Os portugueses chamam "roça" aos campos que a dão, e aos agricultores designam com o nome de "lavradores" e de "roceiros" . Os menos abastados alimentam-se com esta farinha, assim como os mais ricos se alimentam de trigo que costuma importar-se de Portugal e de outras partes. Produz também a região outros frutos: milho, batata doce, ananases, cocos, melões, melancias, laranjas, limões, bananas, pacobas, maracujás [^nota-83], pepinos, tudo isto para utilidade ou dos homens ou dos animais. Os cajus são pêras silvestres, suculentas e inocentes, que se comem avidamente durante o calor. No interior da pêra cresce uma castanha, de casca muito amargosa, de miolo muito doce, quando se assa. A pêra refresca e a castanha esquenta. Mas, a todo o gênero de frutas levam a palma aquelas a que chamam ananases. A planta é de pouco talhe, e em seus ramos ficam suspensas pinhas muito tenras. Cortando-se estas em talhadas na sazão própria, são um alimento gratíssimo ao mesmo tempo pelo cheiro e pelo sabor, podendo-se comer imediatamente ou conservar no açúcar por largo tempo. Além disso são de ver muitas árvores frutíferas, que fora longo enumerar, peixes, aves de cores variegadas e muitas espécies de quadrúpedes, em geral bravias, em parte por nós conhecidas, em parte desconhecidas. Nelas sempre aparece em quão admiráveis e diversos modos se desdobra a sabedoria divina pela vastidão da terra. É notável a variedade dos papagaios, cuja plumagem de cores diferentes é para eles um ornamento, e, por outro lado, torna-os apreciáveis à língua, apta para reproduzir a linguagem humana. São tão numerosos ali que, voando aos bandos, escurecem o dia como nuvem negra.

Condição dos habitantes

Os habitantes ou são livres, como os portugueses, holandeses e europeus em geral e até mesmo os brasileiros indígenas; ou escravos, os quais são ou índios, ou negros comprados já no reino de Angola, já no Cabo Verde e levados para lá. Moram em povoados, cujas casas não são pegadas uma às outras, qual, entre nós se usa, mas esparsas, seja por medo de se alastrarem incêndios, seja por imperícia de edificarem. Empregam pedras e telhas, mas não ferro. Quando vão construir uma casa, levantam primeiro os esteios e escoras, estendem sobre eles um ripado sobre o qual armam o telhado, coberto de telhas ou de folhas de coqueiro. Vivem nessas habitações.