História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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do capitão cartaginês [^nota-53], que sabia tão bem as coisas dos seus adversários como as próprias. Por espias teve-se notícia de ocupar ele o território e a praça de Porto Calvo, donde mandava bandos predatórios a infestar, com rapinas e devastações, as terras vizinhas pertencentes aos nossos, a tal ponto que nem mesmo era seguro o trajeto entre Olinda e Recife. Os índios, abandonando suas aldeias, por medo dos inimigos, buscavam proteção sob as nossas fortalezas. As forças militares no campo do Serinhaém mal bastavam para repelir as irrupções dos nossos contrários, evitando que eles penetrassem mais no interior. Nem a estes faltavam nas brenhas os seus refúgios, através de caminhos ocultos e cegos, sendo-lhes os portugueses fáceis e favoráveis quando nos insidiavam, e a nós difíceis, se queríamos fazer-lhes o mesmo. E como não puderam ser expulsos das fronteiras, o que era nosso ficou-lhes exposto aos incêndios, esbulhos e matanças.

O Conde prepara-se para a guerra.

Diante disso, ordenando Nassau uma prece pública, para que não parecesse ter encetado alguma empresa sem o auxílio divino, julgou acertado atacar sem demora ao inimigo e iniciar a sua governança com as armas e a guerra, firmando o seu poder e mostrando ao adversário a sua confiança, coisas que, mormente entre os estrangeiros, são os primeiros instrumentos para consolidar um principado. Considerava que o oprimir ele o espanhol, sem delongas e com dignidade, era do maior interesse para a sua glória e a da Companhia. Protelando as hostilidades, conseguiria o espanhol força e disciplina, e ele incorreria na suspeita de insensatez ou de pachorra.

Rio e aldeia Una ou Huna. Barra Grande. Marcha contra o inimigo

Todas as forças foram por terra para Serinhaém, menos a guarda do Conde e as companhias comandadas respectivamente por Carlos de Nassau e pelo capitão Haus. Compostas de soldados bisonhos, tidos por incapazes das marchas mais lentas dos acampamentos por causa do caminho bastante longo, foram por mar juntar-se ao Conde. Partindo ele com o exército para o Una e transpondo o rio que o inimigo, com uma força exígua, teria facilmente defendido, marchou para a Barra Grande, a fim de esperar a esquadra, a qual transportava, em trinta e três navios de carga e ligeiros, as provisões e todo o aparato bélico. Reuniram-se trezentos infantes holandeses, oitocentos soldados de mar e seiscentos brasileiros, aos quais se juntou uma companhia eqüestre. Com essa tropa marchou-se contra os espanhóis, que eram superiores em número. A estes comandava o Conde Bagnuolo, militar experimentado, que se distinguira nas campanhas neerlandesas sob o marquês de Spinola.