História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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com o poder e o domínio português, sacudiriam o jugo do rei; que a derrota para as plagas do Novo Mundo nem era demorada nem de tanto risco; que não havia mais numerosas razões contra a navegação americana do que contra a asiática; que, no apresto de tão importante empresa, se poderiam utilizar milhares de homens, os quais, pela sua indigência e planos sediciosos, seriam de temer, se não fossem desviados da ociosidade e das revoluções por trabalhos dessa espécie; que é útil, numa população densa, fazer-se o expurgo da ralé e afastarem-se os elementos nocivos, como nos corpos enfermos cumpre retirar o sangue vicioso, já por ser excessivo, já por ser de má qualidade. Insistiam em que as Províncias-Unidas se sustentavam com o comércio, fazendo-se, pois, mister alargar para todos os lados, em favor dos mercadores, as áreas onde pudessem granjear os seus proventos. Isto haviam tentado e conseguido os ingleses. Os gregos e os romanos tinham invadido assim os territórios inimigos para do solo pátrio afastarem as guerras. Tínhamos soldados e marinheiros aparelhadíssimos para os trabalhos da mareagem e das campanhas. Nenhum outro feito daria maior glória e renome às Províncias-Unidas que o terem ligado o Velho e o Novo Mundo pelos laços do comércio e da navegação. Não se devia desprezar essa liberdade comum de comerciar, concedida a todos por uma lei natural e defendida com tantas vitórias brilhantes e desbaratos infligidos aos inimigos.Além destes, traziam-se outros argumentos aptos para persuadirem aos espíritos ávidos de lucros. Os mais religiosos pediam suas razões à religião e à conveniência de se propagar uma doutrina mais pura, alegando se deveria acender o facho da fé para guiar os povos que tateavam no reino das trevas ; e que não se deveria estender só o império humano, senão também o de Cristo; que era necessário e possível associar às vantagens dos comerciantes o cuidado de se salvarem tantas nações ; que assim os negócios seriam pios, e a piedade útil.

Razões dissuasórias.

Os opugnadores da iniciativa levantavam estas objeções: que a Companhia ia ser de guerra e não de comércio; que o interior do Ocidente, invencível por causa de seus fortes e guarnições, desdenharia do inimigo externo; que o litoral brasileiro poderia ser conquistado, mas defendido nem tanto, à conta da multidão dos selvagens e da continuidade da terra; que não havia ali ilhas para se expugnarem, como no Oriente, protegidas pelo mar circunjacente, e sim um continente exposto às incursões dos habitantes do sertão; que os bárbaros, havia mais de um século, tinham aceitado a