História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Guerra dupla.

bárbaros; despojaram-se dos tesouros asiáticos e americanos as naus espanholas, que foram queimadas diante das próprias costas do Brasil. Revelara-se-nos, enfim, o segredo da dominação: - podermos vencer o Ocidente. Já deixava de ser verdade o que de Roma escrevera outrora Dionísio Halicarnásseo : ter sido a primeira e a única que fez do oriente e do ocidente o término do seu poderio. Chegamos, de feito, aos tempos em que vemos, felizes, o sol, testemunha de tantas vitórias, não ter ocaso também nos nossos domínios [^nota-7]. Demos um exemplo mais eloqüente que os dos antigos e enumerado entre as maravilhas da nossa época: - um povo, envolvido em tantas guerras, apenas com o dinheiro de alguns particulares, como que cotizados para a ruína do inimigo comum, vexar e abater um rei poderosíssimo numa guerra dupla, em partes do mundo separadas por todo um hemisfério, para igualar hoje a extensão do império holandês quase com a redondeza da terra.

Causas da navegação para a Índia.

Poderia, sem dúvida, a nossa bravura cingir-se à necessidade de se defender, contentando-se com os limites costumados do oceano. Entretanto, vedada por ordens régias a navegação dos nossos compatriotas para a Espanha e depois para o Oriente, começou ela a estender-se mais. E esta raça criada entre as águas, como se partisse o freio imposto à sua ambição, demandou as plagas longínquas do orbe, ainda mesmo usurpando vias que a Natureza negou ao homem.O espírito mercantil, frustrado na esperança do ganho, acirra-se e incita-se com os próprios perigos. Pensava-se assim: que não é lícito, por uma lei pessoal dos soberanos, impor servidão ao mar, franqueado a todos; que se carecerá no país das coisas necessárias, se não se forem buscar a outras partes; que ainda mesmo na Índia engendra o Criador produtos úteis aos neerlandeses; que são sempre mais altos os preços das mercadorias vindas de longe; que, estabelecido o comércio com o Oriente, seria de proveito ir-se ter às terras inimigas; que, com a nossa navegação, se arruinaria a opulência do rei da Espanha; que, ocupado ele em outros lugares, ficaria mais quieto no seu reino e, assim, o bom nome do povo holandês se espalharia amplamente entre os estrangeiros, e o do rei seria verberado.Dos exemplos alheios tinham aprendido os holandeses a descobrir mundos novos com o auxílio das naus e a levar a povos distantes e vivendo sob outros céus a religião, as riquezas, as leis, os bons costumes e a polícia.