História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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E se não houvera sido apresada uma nau inimiga transportando farinha, desde muito teriam sucumbido os holandeses, levados às extremidades da fome. Entretanto, por bondade de Deus, acudiu-se de certo modo àquela inópia, pois já não restavam mantimentos.Pelas tais cartas apreendidas ficou manifesto haver o rei mandado a frota cruzar diante do litoral brasileiro durante dois anos inteiros, e que ele enviaria anualmente quantidade suficiente de forças e de naus, para se tornar senhor do mar e arrebatar aos holandeses o domínio dele.Este fato induziu também Maurício a pedir instantemente aos Estados Gerais contínuos reforços, se não quisessem ver por terra a nascente fortuna de tão grande império e expor a vida de tantos batavos aos escárnios e à ferócia dos adversários. Estavam mais dispostos a sucumbir pelas armas do que pela negligência dos seus. Era, de fato, pensamento assente do Conde disputar ao inimigo a dominação e tentar a sorte da guerra, pois não se tinha que escolher entre uma morte gloriosa e a morte obscura causada pela fome, entre os lances de uma refrega e as angústias da miséria.

Informações de um prisioneiro negro.

Caíra casualmente nas mãos dos índios do Sergipe del Rei certo negro, soldado de Henrique Dias e porta-bandeira. Interrogado a respeito da armada, disse alguma coisa, mas não muita, calando-se ou por ignorância, ou por lealdade aos seus.Adiantava ele que muitos dos embarcados na armada, por longa demora nas naus, primeiro antes de zarparem de Portugal e depois na altura do Cabo Verde, tinham sido atacados de doença e morrido, recolhendo-se outros, maltratados dos incômodos do mar, a um convento da Baía, onde se iam finando dia a dia; que fora ele destacado pelo Governador para, com tropas volantes, queimar os canaviais e inflamar contra os batavos os portugueses, índios, mamelucos, mulatos e quantos negros pudesse, arrastando-os a si até abicar a armada, a qual, segundo a sua opinião, preparava o desembarque em Nazaré.Recebeu, porém, o Conde estas informações sem lhes dar grande importância, pois não era verossímil que os espanhóis, tão convictamente esperançados de restaurar o Brasil, cogitasse de destruir a safra. Com efeito, é próprio dos que guerreiam, segundo as regras, poupar as terras às quais vieram com a intenção de as vencer e não assolar aquelas onde pretendem firmar possessões. Saquear, devastar, incendiar as mais vezes são atos de um exército desesperado, e não vantagens de um exército guiado por bons preceitos.