História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Edifica o Palácio da Boa Vista.

muniu-a de marachões para que as águas transbordadas dos rios ou o Oceano intumescido nos plenilúnios e novilúnios não detivessem o caminheiro. Apressando-se as obras, ficou ela terminada dentro de sete semanas. As estacas, apertadas com cintas de pau e enterradas profundamente por meio de martelões, eram de bibaraba [^nota-238], madeira imputrescível de perpétua duração. O comprimento da ponte é de 86 varas geométricas. Fica-lhe sobranceiro o palácio da Boa Vista, muito aprazível alegrado também por jardins e piscinas. O Conde edificou em terreno seu e à própria custa.Quantos o contemplavam, punham em segunda plana as quintas de Baías na Campânia e as de Luculo no Lácio [^nota-239]. Dizia-se que a mãe Natureza apresentava ali todos os encantos que aprazem aos mortais e todos os atrativos de uma vida mais tranqüila. Em nenhuma outra parte encontravam os mais ocupados prazeres iguais aos dalí. Naquele remanso, descansava Nassau, rodeado pela vista das suas construções e longe da pátria e das terras de tantos condes e príncipes seus parentes, gozando da felicidade que achara no ultramar. Contemplava astros nunca vistos pela sua Alemanha; admirava a constância de um clima dulcíssimo e mostrava aversão à intempérie da zona temperada onde vivera [^nota-240]; olhava o rosto adusto dos índios e dos negros; mirava armas e habitações diferentes. Via Condões e Filis [^nota-241] de narizes chatos, lábios grossos, mamas pendentes, conduzindo armentos e rebanhos diversos dos europeus. Outros gêneros de aves, outros gêneros de peixes abasteciam-lhe as mesas, quando jantava. Dali passeava os olhos por aqueles mares, que dominava com as suas frotas, e pelas terras que sujeitava com a sua autoridade, com as suas armas e leis. Meditava ali na guerra contra a Baía, nos castigos dos depredadores, no terror que incutiria à armada, quando chegasse, e nos descansos e vantagens que proporcionaria aos seus. Ali temperava com prudentes alvitres as ordens da Companhia. Enfim, meditando, encerrava dentro do âmbito da Boa Vista o múltiplo benefício do céu, da terra e do ar, a República, o inimigo, os índios, os holandeses, as conveniências e proveitos das Províncias Unidas.Nesta Ilha de Antônio Vaz existia não só o palácio, mas também o Museu do Conde, para o qual traziam as naus vindas da Índia Oriental ou da Ocidental, da África e de outras regiões, animais exóticos, plantas, alfaias dos bárbaros, trajes e armas, para espetáculo mais deleitoso e raro proporcionado ao Conde.