História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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tendo ocasião de maldizer sua tarefa e a hora de um tão infeliz encontro. Os outros ficaram muito gratos àquele que lhes dera o aviso, sem o qual se teriam inconsideradamente exposto a estranhas e seguras misérias.Um mês depois da partida dessa frota, dois navios do Recife chegaram a Vljssingen com cartas dos Senhores, noticiando que o General Schkoppe tinha sido forçado a abandonar a Ilha de Itaparica e seu forte real, em outubro de 1647, à mercê dos portugueses, a fim de vir socorrer o Recife, que estava sendo arruinado graças a um forte construído bem em frente, à borda do riacho e do rio salgado, na terra firme. Matavam grande quantidade de pessoas nas ruas e em suas casas, transtornando-as e não as deixando ficar em segurança. A sobrinha do defunto Tenente-Almirante Lichthart fora morta por uma bala de canhão quando se encontrava num quarto alto, onde fazia tapeçaria. Algum tempo depois se soube que a frota holandesa tinha chegado felizmente e que a portuguesa, partida de Lisboa, estava a caminho da Baía de Todos os Santos; os holandeses se preparavam para combatê-la e estavam "a espreita, esperando-a. Não pude saber, depois, qual o resultado de todos esses sucessos.Todavia, se é lícito julgar o futuro pelo raciocínio apoiado em conjecturas das coisas do passado em relação às do tempo presente, parece-me não ser possível que os holandeses jamais se possam restabelecer e restaurar no Brasil, como antes. Ainda mesmo que a sua frota derrotasse a portuguesa e se mandasse outro socorro igual ao último, eles não farão jamais senão perder homens e esgotar todos os tesouros sem lucrar coisa alguma, porque, como se observou, o campo que lhes resta desde o Ceará até a cidade de Olinda está inteiramente perdido e sem habitantes; as casas, povoações aldeias ou vilas, e até as árvores frutíferas, foram queimadas e devastadas, sendo-lhes, assim, inúteis e sem proveito. E ainda que fossem senhores das fortalezas do Rio Grande e da Paraíba, as únicas que conservam com o Recife, elas de pouco lhes servem e delas não lhes vem nenhum socorro, pois aqueles que se emancipam e vão reconstruir pequenas cabanas, a fim de cultivar a terra, ou se arriscam algumas vezes a distanciar-se são surpreendidos e mortos quando menos o esperam pelas freqüentes incursões dos portugueses, dos tapuias e dos brasilianos desunidos, que não têm piedade de ninguém.Os portugueses bloqueiam o Recife de todos os lados da terra, por meio da cidade de Olinda, do Cabo Santo Agostinho, e das fortalezas que construíram nos arredores; são senhores absolutos de todo o campo fértil e abundante e de todas as praças fortes, portos, enseadas e passagens, desde o Recife até a outra extremidade do Brasil, além do Rio de Janeiro. Todo o país que possuem é bem povoado, com numerosos guerreiros, sabem como subsistir e vivem do que a terra produz abundantemente, prescindindo com facilidade dos produtos da Europa, o que é impossível aos holandeses, que não dispõem senão de soldados recrutados de diversas nações, mais comprados que escolhidos, de cuja fidelidade não se pode fiar muito, pouco adaptáveis aos costumes e ao clima diferente do país, não conhecendo os atalhos e emboscadas do terreno.Os portugueses, ao contrário, nasceram aí em sua maioria, e são originaários do país desde a quarta geração; são robustos, um mesmo povo, têm os mesmos costumes e compleição e se auxiliam uns aos outros, não deixando de valorizar a terra e aproveitar-se dela; conhecem até os menores recantos e basta-lhes esperar seus adversários nas passagens, para batê-los. Os portugueses deram-se, agora, todos às armas e mandaram construir fortes em todos os lugares e passagens onde julgaram necessários, a fim de impedir que os holandeses encontrem a mesma facilidade de conquistá-los, como no passado.Os holandeses não dispõem de qualquer brecha para penetrar no terreno ocupado pelos portugueses, nem de qualquer retirada assegurada para poder manter-se ali; deste[pagina84]modo, não estão em condições de sitiar qualquer praça, não fazem senão despesas, e estão privados de todos os seus direitos e rendimentos. Os brasilianos e tapuias desunidos são mais fortes e em maior número do que os outros que ainda estão do lado dos holandeses, temendo-se que também estes os abandonem. Considerando-se, ainda, que os soldados holandeses perecem naturalmente pelas doenças do país, que atacam sua fraqueza congênita, eis aí todos os sérios motivos que proporcionarão a vitória aos portugueses.

Força do Recife.Também da parte dos Estados Gerais diremos que estavam irritados e, julgando o direito de seu lado, pensavam que se eles não eram mais fortes na terra eram incomparavalmente mais poderosos no mar que os portugueses, e que, assim, haviam de incomodá--los incessantemente, mantendo-os sempre em alarme. Embora não lhes restem senão três praças, não desanimam e não estão prontos a abandoná-las. Para se falar do Recife, esta é uma das praças fortes do mundo, onde a natureza contribui mais que a arte; e conquanto o comércio esteja extinto, destinam-no à sua cidade de guerra, que reforçarão com numerosas tropas, pois estão resolvidos a enviar recrutas para lá, de tempos em tempos. O porto é tão espaçoso como uma baía e os navios ali estão bem seguros, podendo chegar a qualquer hora e ancorar protegidos pelo castelo de pedra.Os holandeses são tão mais hábeis e corajosos no mar que os portugueses, que tornarão muito perigosas as viagens que estes empreenderem do Brasil para Portugal e de Portugal para o Brasil. Não tendo nada mais a perder, arruinarão o comércio português, e daquilo que lhes tomarem esperam manter suas guarnições e os soldados da marinha. Para que os portugueses não lhes escapem, permitem aquilo que jamais permitiram antes, ou seja, que todos os negociantes e particulares armem às suas custas navios e façam o corso nos mares do Brasil, mediante certos direitos que se reservam sobre as capturas que realizarem. Assim, pelo menos, manterão os portugueses continuamente temerosos ao longo das costas, obrigando-os a estar sempre em guarda.Se puderem penetrar no país por algum lado, o que indubitavelmente não deixarão de fazer, caso se apresente tal oportunidade, à força ou por estratagemas, irritados pela traição que sofreram, têm ordem expressa de por de lado toda a misericórdia, e passar a fio de espada sem qualquer exceção todos os habitantes, seja qual for a sua idade, sexo e condição, de devastar, queimar, danificar e desolar todo o país em geral, em todos os lugares em que puserem os pés, desde o Recife até o Rio de Janeiro e mesmo além dele, tornando-os mais desertos do que eram quando os portugueses os descobriram, a fim de que estes não se possam prevalecer nem tirar vantagem de sua deslealdade. Quanto a um acordo, não parece possível.Os Estados Gerais dizem que a restituição que se lhes oferece do país, desde o Recife até a Bahia, não basta, porque lhes pertence e é deles; a dificuldade não está senão nos prejuízos que lhes causaram e no pagamento das grandes somas e respectivos juros de que os portugueses são devedores, não só à Companhia, quanto aos outros particulares seus súditos, ao reembolso das despesas feitas pela Companhia e por eles para equipar tantos navios enviados ao Brasil a fim de opor-se à revolta; todos esses sucessos arruinaram inteiramente mais de duas mil famílias opulentas de sua República, sem falar da perda de um grande número de seus súditos e de estrangeiros a seu serviço, que empregariam em outras boas empresas. Todos esses males, devidos à palavra violada, eram irreparáveis. Todo o reino do Rei de Portugal, sustentavam, era responsável, não somente pelas faltas de seus súditos, como pelas dos portugueses da conquista, visto que os havia persuadido, induzido, excitado e favorecido em sua rebelião, contra o tratado de paz. Seu reino não era bastante para reembolsá-los do valor de suas justas perdas. Assim, preferiram vingar-se a entrar num acordo em que acreditavam não poder ser satisfeitos, e além do mais com pessoas cujos