História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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os Estados Gerais a aceitar esta proposta, mas eles a rejeitaram acremente tantas vezes quantas se pensou que cederiam; recriminaram a Companhia das Índias pela sua insaciável avareza e por ter abusado do poder que lhes tinha sido conferido de elegerem magistrados, provendo nos cargos pessoas indignas e incapazes de governar, as quais só se tinham prestado a extorquir bens a torto e a direito, sem prever nem prover o necessário para manter-se e conservar-se. Jamais abandonariam a parte do Brasil que tinham conquistado à ponta de espada, em guerra aberta com os seus inimigos. A razão de que se servia o Rei de Portugal, depois de havê-los traído covardemente, para vangloriar-se de ser o verdadeiro senhor do Brasil, ou seja, o de tê-lo descoberto, e de sua nação não ter tido nenhum conflito com eles, era pura e simplesmente uma chicana. Pela mesma lei, deveria ele totalmente desistir de dominar aquele país e deixá-lo livre aos brasilianos e tapuias, que eram os seus possuidores originários, naturais e legítimos, sendo esta a sua pátria, do mesmo modo que Portugal era a dos portugueses. Que direito, pois, tinham tido de se apossar de suas terras, escravizar suas pessoas e massacrar tantas daquelas pobres criaturas que jamais os haviam conhecido nem desfeiteado? Em lugar de ali implantar o cristianismo, semearam a impiedade. O Rei de Portugal e seus súditos, depois de sua revolta contra o Rei da Espanha, os reconheceram como soberanos da conquista do Brasil; trataram e juraram com eles, de modo solene, a paz que perfidamente violaram. Pelo direito de conquistar, podiam ter expulsado de sua parte todos os portugueses que ali habitavam; contentaram-se, porém, com suas promessas de obediência e fidelidade, mediante as quais os deixaram e mantiveram no gozo de todos os seus bens, quando, ao contrário, poderiam tê-los exterminado a todos e dar-lhes o mesmo tratamento que eles haviam infringido a milhões de criaturas, ao se estabelecerem no país, segundo as próprias histórias que contavam e faziam tremer de horror. Pensar autorizar sua perfídia pretextando que se lhes negava justiça, e que estavam expostos a toda espécie de injúrias e violências, era um efeito ordinário da iniqüidade que reinava entre os homens. Se semelhantes coisas bastassem para legitimar as rebeliões, todos os povos aproveitariam a ocasião de revoltar-se. O Rei de Portugal não devia arrogar-se o papel de juiz nem atribuira tal direito a seus súditos, e ainda quando pudesse fazê-lo tinha, pelo menos, de ouvi-los primeiro.

Generosa máxima dos holandeses.De sua parte, os holandeses estavam obrigados a dirigir-se previamente a seus soberanos e à Companhia das Índias, e fazer-lhes saber quais eram suas queixas; todavia, jamais tinham aberto a boca nem notificado a menor coisa. Estes teriam não somente feito castigar os altos magistrados mas, também, os outros oficiais e particulares, grandes e pequenos, que houvessem prevaricado. Queriam distribuir justiça pelos seus oficiais, que não tinham sido providos em seus cargos por dinheiro, mas segundo o seu mérito; queriam que os mesmos fizessem justiça aos querelantes sem pagamentos e punissem sem remissão nem exceção os coniventes e os que faltavam ao dever de seus cargos; pensavam que esses cargos eram exercidos por pessoas virtuosas, capazes e de boa consciência, e não por ladrões e sanguessugas do povo. Queriam, mesmo, que em face dessa nova e surpreendente denúncia, fosse realizado inquérito fiel da vida e dos costumes de todos os que tinham exercido e exerciam qualquer posto no Brasil, tanto daqueles que ali ainda se encontravam, como dos outros que tinham voltado, assim como dos burgueses e particulares, a fim de castigar exemplarmente os culpados. Enviaram, para tal fim, comissários expressamente encarregados de obter informações, mas estavam determinados a não ceder uma só polegada de terra aos portugueses, e antes poriam em risco o seu Estado que abandonarem o Brasil. Estavam resolvidos a sofrer, de preferência a desolação, a abalar-se de um canto a outro, para impedir os portugueses de prevalecerem. Comunicaram a este pérfido Rei sua máxima, que é a de jamais usar a fraude em primeiro lugar mas vingar-se ao quádruplo daqueles que faltassem à sua palavra.

[pagina 8]1O Embaixador de Portugal, a quem se comunicou tudo isso, não esperava esta rude resposta. O Rei da Espanha não deixou também de ser advertido pelo seu representante desta desavença, e foi então que não vacilou mais em concluir a paz com os Estados Gerais, oferecendo-se todos os dias para socorrê-los, fornecer-lhes uma frota, ouro e prata, víveres ou navios, a fim de restabelecê-los no Brasil e dele expulsar os portugueses, propondo ao mesmo tempo a conclusão de uma liga ofensiva e defensiva para os países de Flandres e das Índias Orientais e Ocidentais, em relação e contra todos.

Trégua de um ano concedida aos espanhóis pelos holandeses.Entrementes, os embaixadores ordinários e extraordinários da França empregavam todos os seus esforços para impedir e opor-se a essa paz. O espanhol, entretanto, tanto fez que obteve uma trégua provisória de um ano, a qual foi imediatamente concluída e assinada. Os Estados Gerais equiparam aquela frota que dissemos ter encontrado ancorada nos portos da Zelândia quando chegamos, composta em quase sua totalidade pelos regimentos especialmente despedidos da armada holandesa, assim que a trégua foi assinada.O Rei de Portugal, que antes de começar sua empresa no Brasil se prometera duas coisas, a primeira, que em três meses reduziria as praças e o país à sua obediência; a segunda, que os Estados Gerais não tomariam a peito este negócio e não se interessariam por ele, viu-se decepcionado. Soube da paz proposta pelo Rei da Espanha; seu embaixador era olhado de soslaio e não tinha mais voz em capítulo para opor-se a ela; era o embaixador da França que era consultado e empregava a esse propósito toda sorte de expedientes, tendo refletido que os Estados se tinham irritado com a proposta feita pelos portugueses de indenizar a Companhia em troca da restituição do Brasil, quando, ao contrário, esta fazia questão absoluta de conservá-lo e voltar à sua conquista. As ofertas do Rei da Espanha de ajudá-los; a poderosa frota dos holandeses prestes a partir para aquele país, pela necessidade premente que os obrigava a enviá-la, dificilmente podendo ser adiada sua partida; a possibilidade de surgir qualquer obstáculo ao encaminhamento da paz, por instigação do Rei de Portugal, tudo isso demonstrou aos Estados que este rei concordava com a restituição de sua conquista do Brasil, prometia e se obrigava a entregá-lo, indenizando-os de todos os interesses e pretensões sobre os bens de seus próprios súditos da Bahia, no caso dos bens dos rebeldes não serem suficientes; ser-lhes-iam entregues os chefes e os amotinados que caíssem em seu poder; armar-se-ia uma bela frota para esta empresa e seria enviado um novo vice-rei, que evitaria pontualmente tais desordens. Isto era tudo que os Estados podiam pedir, e deviam estar satisfeitos; não havia necessidade de consumir tantas riquezas e arriscar tal número de homens de sua frota, o que lhes custaria grandes despesas, para obter aquilo que poderiam conseguir sem disparar um tiro; de outro modo só se faria renovar as carnificinas, e era preferível destinar aquela frota a outros fins úteis.Enquanto os Estados Gerais se reuniam para deliberar sobre a resposta que dariam, adiava-se sempre a partida da frota de que se trata e que esperava de um dia para outro o momento de desancorar. Tinha-se, por isso mesmo, como incerta a sua partida.Quando o Senhor Haecx chegou a Haia, foi recebido em audiência, justificou sua vinda, e foram lidas as cartas dos Senhores do Conselho do Recife. Logo as notícias se divulgaram por toda parte, e o embaixador de Portugal correu, pela segunda vez, perigo de vida, do que se preveniu prendendo prontamente algumas pessoas que pretendiam excitar a populaça. Os Estados Gerais deram ordem à frota de partir imediatamente e de fazer uma viagem rápida; dentro de dois meses seria enviada nova esquadra, de cinco ou seis mil homens de reforço. Haecx desculpou-se de não ir levar pessoalmente aos conselheiros do Recife a resposta dos Estados Gerais, mas, a fim de que a sua recusa não desencorajasse ninguém, fingiu-se de doente e pediu por escrito aos capitães e oficiais que fossem na frente