mandara proceder. Os nossos oficiais contentaram-se em agradecer-lhes, sem nada querer aceitar deles, salvo um navio holandês preso pelos biscaínos havia três semanas, que o Rei da Espanha mandava restituir com os homens e tudo que continha quando fora capturado, sem nenhum dano.Passando diante de Ostende, vimos barcos e navios cheios de víveres que iam e vinham da Zelândia para lá; e, finalmente, ancoramos na baía desta bela e gentil cidade de Vlissingen, loucos de alegria por ter chegado a um porto tão venturoso, ao abrigo de todas as misérias que tínhamos suportado. Mas o que mais nos levou a louvar e agradecer ao soberano Criador, pela sua assistência e favor, foi quando nos mostraram os armazéns vazios de víveres de nossos navios, sendo que no nosso não restava senão para mais dois ou três dias de magra subsistência, de modo que, se qualquer calmaria ou tempestade nos tivesse distanciado ou retido sobre as águas, a fome teria sido certa e estaríamos em perigo de sermos obrigados a nos entredevorar.À nossa chegada, vieram visitar-nos em barcas, a fim de saber o verdadeiro estado do Brasil. Nossos navios deram a conhecer a morte do Almirante Banckert por pequenos panejamentos pretos atados no alto das velas do joanete e pelas bandeiras descidas a meio-pau, em sinal de luto. O corpo desse famoso oficial foi pomposamente sepultado na principal igreja de Vlissingen, onde os Estados particulares da Zelândia, com assento em Midelburgo, mandaram deputados para representá-los.Deixei de dizer aqui que encontramos em frente de Vlissingen, Rammeguei e Trei-vers, uma grande frota de 50 navios com 6.000 homens prestes a singrar o mar, equipada e pronta para partir para o Brasil às custas dos Estados Gerais, a qual já estaria a caminho sem as artimanhas do Embaixador de Portugal, que tinha empregado todos os artifícios para impedi-la de partir ou, pelo menos, para retardá-la, a fim de torná-la inútil. Ele disse aos Dezenove que seu Senhor não era absoluto no Brasil, experimentando desgosto com todas as desordens ali sobrevindas. Soubera que os portugueses do país sentiam tal aversão pelos holandeses, pelos atos indignos e vexames que da parte deles tinham sofrido, que pre feriam tudo destruir e perder-se a si mesmos a continuar tolerando o seu domínio. Não acreditava fosse possível, em face desse grande ódio fomentado por tanto sangue derrama do e tantos atos de hostilidade de parte a parte, que as duas nações jamais se pudessem re conciliar, nem viver em boa paz. Era preciso, todavia, chegar a algum meio de acomoda ção, pelo qual cada um ficasse satisfeito.Ninguém duvidava de que tinham sido os portugueses que haviam descoberto o Brasil e o tinham feito habitar pelos cristãos, cultivado o país, construído e edificado as cidades, povoações, castelos e fortalezas que ali se notavam presentemente. Portugal jamais tivera qualquer questão com os Estados Gerais, e todos os portugueses tinham sido subjugados pela tirania dos castelhanos, quando estes conquistaram uma parte do Brasil; os holandeses, ao subjugá-los, consideravam-nos como pertencentes ao Rei de Castela, mas o certo é que o Brasil pertencia aos portugueses, aos quais eles o tinham usurpado. A razão não mandava que para se vingar de um inimigo alguém se apropriasse do patrimônio daqueles que sabidamente eram oprimidos. Era, pois, justo que o Rei de Portugal fosse reintegrado de todos os países de sua coroa, inclusive o Brasil, oferecendo-se a indenizar em dinheiro a Companhia de todas as perdas, prejuízos e juros que ela pudesse justamentepretender e pedir, segundo o parecer de qualquer Rei, Príncipe ou República vizinha e amiga comum de ambas as partes que ela escolhesse.Os Dezenove, aos quais este Embaixador havia feito um presente notável, a fim de melhor engodá-los, não visavam senão a reconquistar sua primeira fortuna e a de todos os particulares que compunham esta Companhia. Tentaram, pois, por diversos modos, convencer
História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo