História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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criado; mas não o fizeram tão perfeitamente que não fosse necessário, todos os dias, e sem descanso usar a bomba umas quatro mil vezes, a fim de não deixá-lo submergir.Quando saímos desse lugar de tempestades costumeiras, entramos num mar mais tranqüilo onde, entretanto, nossos navios eram a todo momento retidos pela quantidade de algas e de folhas grandes e largas, entrelaçadas umas às outras à moda da hera, tendo um fruto semelhante ao visco do carvalho, reunidas em formas de bandas grandes e unidas, de cinco ou seis passos de largura, e de comprimento infinitamente grande, distantes umas das outras uns quinhentos ou seiscentos passos mais ou menos, as quais simplesmente retinham nossos navios, obrigando-nos a descer nos escaleres para cortar os obstáculos que impediam nossa marcha.Os pilotos, que não viam aparecer terra, três ou quatro vezes por dia mediam a profundidade, a fim de apurar se estávamos próximos; não encontrando fundo, na incerteza da demora que poderíamos ter, foi diminuída a ração de nossos víveres, e exatamente quando os pilotos julgavam que estivéssemos atrás da Escócia vimos aparecer dois navios, corremos atrás deles e soubemos que eram de Hamburgo, república do setentrião que não trava guerra com nenhum príncipe da cristandade e só apreende os turcos e piratas e para lá voltavam. Tinham partido da cidade do Porto, o mais famoso porto de Portugal depois de Lisboa, carregados de vinhos da Espanha, laranjas, limões e castanhas. Quando voltamos nossas velas em direção a eles, a fim de nos aproximarmos, na dúvida de que estivéssemos mal intencionados, e como não haveria nenhuma vantagem em se deixarem abordar, trataram de distanciar-se. Isso reconhecemos ao persegui-los e, não podendo alcançá-los senão à distância de um tiro de mosquete, lhe mandamos um balaço de canhão. Sobreveio a noite e na manhã seguinte, malgrado sua intenção, encontravam-se pertinho de nós, devido ao vento. Mandamos-lhes de presente, então, dois balaços de canhão. Vendo que não podiam mais evitar-nos, enviaram uma chalupa ao nosso navio-almirante, além do que depois deram a uns e outros, com duas barricas de vinho da Espanha e três cestas de limões, laranjas e castanhas; além disso, distribuíram a esmo, grande quantidade de víveres no convés que soldados e marinheiros disputavam aos empurrões e pescoções. Confessaram que tinham temido nossa aproximação com o receio de que fôssemos piratas; uns quinze dias antes, cinco navios turcos, com a bandeira da Holanda, haviam surpreendido três navios de Hamburgo, que saíam de Lisboa, a umas trinta léguas do mar. O capitão e o piloto de um desses navios, que presentemente estavam com eles, ao reconhecerem que se tratava de corsários, que os outros tinham sido apreendidos e que lhes vinham dar o mesmo tratamento, sendo-lhes impossível escapar de suas mãos, sem dizer palavras à tripulação, e fingindo ir visitar esses navios desconhecidos, desceram sozinhos num bote, vagaram ao léu, sem bússola, sem velas e sem víveres, pelo espaço de trinta léguas, e finalmente chegaram como por milagre, ao Porto, não sabendo o que acontecera àqueles três navios. Asseguraram que o Rei de Portugal armava uma poderosa e numerosa frota, em parte composta de franceses, para mandar ao Brasil e informaram-nos que estávamos próximos do grande canal da França e da Inglaterra.Efetivamente, dois dias depois, vimos e passamos próximo da Ilha de Sorlingues, na Inglaterra, em cuja praia existe um forte construído somente para impedir que os piratas se utilizassem dela para a retirada, como havia acontecido antigamente. Durante dez dias navegamos no grande canal entre a França e a Inglaterra e próximo da Ilha de Wight, onde o finado e último Rei da Inglaterra fora mantido prisioneiro na torre da cidade de Newport, no meio da ilha. Depois de ter passado Dover e Calais, deparamos com oito navios de Ostende (pois os espanhóis já tinham perdido Dunquerque), os quais, em lugar de nos combater, para o que estávamos preparados, ofereceram-nos suas pessoas, víveres, munições de guerra, dinheiro e seus navios, seguindo ordem do Rei de Espanha, que assim os