estávamos de abandonar um clima tao funesto, e nosso único desejo era poder chegar felizmente à Europa. Navegamos três meses sem cessar, sendo que durante oitenta dias inteiros só vimos céu e água.Nossa rota não foi a mesma da vinda, pois nossos pilotos rumaram para o norte a partir de um ponto mais ao sul. O nosso Almirante Banckert morreu na altura da Linha, doze dias depois do nosso embarque, vítima de uma apoplexia; sua pátria perdeu muito com o seu passamento, que foi muito lamentado, pois ele fora um dos mais excelentes corsários que os Estados Gerais tiveram. Seu valor e seu mérito fizeram-no subir de simples marinheiro e, de grau em grau, atingir o posto de Comandante das Costas de Zelândia e Almirante dos Mares do Brasil. Sua reputação começou a resplandecer quando, simples capitão de um navio, bateu-se certa feita contra treze navios de Dunquerque, pôs a pique três, desvencilhou-se gloriosamente dos outros, todo furado como um crivo; sua grande coragem e o desprezo pela morte sempre o tornaram admirado, pois, assaltado enganchado e aferrado de um lado e de outro por dois navios, e cercado pelos restantes, em lugar de ceder e render-se a seus inimigos, que o incitavam a pedir quartel, colocou seu filho mais velho junto do paiol de pólvora, com uma mecha acesa na mão, recomendando-lhe expressamente que lhe metesse fogo logo que ele o ordenasse, sob pena de ele próprio matá-lo. Teve a melhor parte na vitória que os Estados Gerais, seus senhores, obtiveram no ano de 1639, sobre a armada naval da Espanha, nas dunas da Inglaterra. Prestou grandes serviços à França no sítio da cidade de Gravelines, a qual bloqueou por mar; foi o flagelo dos espanhóis e tornou-se temido dos portugueses no Brasil.Embora tenha morrido como os outros homens, tal não aconteceu com o seu renome. Os dois filhos que o acompanhavam impediram que seu corpo, grande e obeso, fosse jogado ao mar, não permitindo, também, que o mesmo fosse aberto para salgar suas entranhas, a fim de conservá-lo; o terrível odor que exalava este cadáver quase nos fez morrer de fome, pois o gosto dos víveres do navio parecia estar infectado pela sua putrefação. A grande quantidade de resina com que se tinha untado o seu corpo e o seu caixão coberto e envolto em quatro ou cinco peças de tecido umas sobre as outras, empapadas de alcatrão, e assim escondido na areia, no reservatório, não nos isentavam do mau cheiro que se desprendia dessa decomposição. Cinco ou seis vezes metemos-nos em brios para lhe dar por sepultura a água e os peixes, a fim de nos livrarmos daquele suplício; mas como tínhamos de aportar à Zelândia, onde estavam seus parentes, e era de temer que não sendo nós os mais fortes, eles nos fizessem arrepender-nos, apesar de todas as nossas razões isso nos obrigou a ter constantemente paciência. Durante esta aflição que foi acompanhada de água pútrida, cheia de lama e de vermes, nossa única bebida, e de velhas carnes estragadas como alimentação, desde que não vimos quase nenhum peixe ou muito pouco, os pilotos levaram-nos a passar umas cinqüenta léguas por traz das ilhas flamengas, por um lugar onde se assegura que jamais se viu o mar calmo e sim sempre movimentado e agitado.Levamos cinco dias a atravessá-lo, com vento tão contrário e tempestade tão contínua, que os nossos navios, que não eram dos melhores, nos causaram muita apreensão. As grandes vagas penetravam neles muitas vezes e era necessário usar as bombas para jogar fora a água três vezes mais do que o costume. A nau vice-almirante não pode resistir ao rude embate das ondas e fendeu-se, sendo grande o trabalho e o esforço para socorrê-la e salvar os que estavam nela, dos quais alguns se afogaram. Os que se salvaram foram divididos pelos outros navios, perecendo aquele inteiramente, com todo o seu equipamento. Um outro quase teve a mesma sorte, evitando-a pela habilidade dos carpinteiros, que calafetaram cuidadosamente todos os lugares por onde entrava a água, e os numerosos buracos que os vermes tinham feito na madeira apodrecida do fundo do navio, onde se tinham
História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo