o intuito de desunião, e faziam absoluta questão de não serem contrariados, pois se tratava do bem estar de seus Estados, cuja direção lhes pertencia. Na incerteza do que aconteceria, os Estados particulares da Zelândia, por um navio que enviaram expressamente ao Recife, ordenaram que o Almirante Banckert, comandante das costas de sua província e natural da Zelândia, voltasse prontamente, pois sua pátria necessitava de seu auxílio. Os Estados Gerais enviaram um outro navio, pelo qual mandaram dizer aos Senhores do Conselho que iriam empreender a defesa e restauração da conquista do Brasil, visto que a Companhia das Índias não podia mais subvencioná-la, e que esta guerra, de futuro, se faria somente em seu nome. Estavam equipando, com a renda pública, uma boa e poderosa frota, e empenhados em restabelecer a tranqüilidade em seu país, para não ter de tratar senão dos portugueses, aos quais esperavam dar muito o que fazer; que, por enquanto, se mantivessem firmes e corajosos. Ambos os navios chegaram ao Recife, mas antes de sua vinda abrandou-se a nascente discórdia pública. Representou-se aos zelandeses o que lhes aconteceria se se recusassem a submeter-se aos seus superiores: teriam de recorrer aos estrangeiros e alojá-los, ou então seriam subjugados ou de todo sujeitos aos Estados Gerais; sendo uma das províncias livres, em cujo socorro correriam todas as outras, e pela qual pereceriam, seria excluída e frustrada da parte e direito que lhe pertencia nas belas cidades, praças, territórios e fortalezas conquistados pelas armas comuns dos Países Baixos em Flandres, Brabante, no Mosa, no Reno, no Oriente, Ocidente, África e América. De tal maneira se exprimiram, que os zelandeses enviaram deputados a todas as assembléias dos Estados Gerais, com poder especial para aprovar e consentir em tudo que estes fizessem, dissessem, concluíssem e determinassem sobre o assunto dessa paz.O Alto Conselho do Recife e todo o povo ficaram grandemente surpreendidos e pesarosos com a discórdia que parecia prestes a irromper em seu país; promoveram um jejum público, a fim de rogar a Deus que tal discórdia não criasse raízes e que o espírito de paz servisse de guia a seus soberanos. O que agravou particularmente seu desprazer foi a resolução de Bankert de abandoná-los e obedecer à carta que lhe havia sido escrita, eis que ele era seu amparo e o terror dos portugueses no mar.Os Senhores e os Políticos, impedidos de julgar do sucesso dessas notícias, que ignoravam, depois de reunir-se várias vezes em conselho, resolveram realizar uma inspeção dos soldados e visitar os armazéns. Verificaram que possuíam apenas 1800 combatentes em Itaparica, Recife, Paraíba e Rio Grande; 15 navios e víveres somente para sete meses, e estavam muito apreensivos de que esses murmúrios fossem retardar muito os socorros que lhes eram prometidos. Isso fê-los passar maus quartos de hora, embora publicamente se mostrassem alegres e divulgassem ter recebido boas notícias da frota que os vinha socorrer, a qual já se encontrava a caminho e talvez próximo da Linha, procurando persuadir a todos de que isso era verdade, pois o diziam para manter-lhes a esperança. Não podiam, porém, enganar-se a si próprios; tratava-se de sua conservação, a do povo e a do país, e de advertir seriamente aos Estados Gerais que tomassem prontas providências, a fim de não se verem reduzidos a uma miséria semelhante à que haviam encontrado, quando de sua chegada. Em tal caso, infalivelmente, nem os soldados nem os burgueses jamais teriam a mesma paciência em semelhante adversidade, como na precedente. Quer eles se contentassem em escrever por intermédio de Banckert e serem por ele recomendados, quer relatassem de viva voz aos Estados e aos Dezenove o perigo que os espreitava, não saberiam quando receberiam resposta; por conseguinte, nessa ocasião urgente, onde cada um só se podia fiar em si mesmo, o Alto Conselho julgou necessário mandar um de seus membros como deputado à corte da Holanda, a fim de melhor impressionar seus espíritos e, pela exata dedução do estado de coisas, obrigá-los, apressá-los e instá-los a enviar-lhes auxílio; e demonstrar-lhes, caso os tivessem relegado para ali para deixá-los perecer, que não estavam
História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo