História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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lhes restava. Alguns deles, declarados livres, tinham sido obrigados à força a retomar as armas por mais seis meses, sendo-lhes recusada a volta ao seu primitivo estado, bem como a concessão de passaporte. Os portugueses, ao contrário, mantinham sua palavra e os haviam tratado melhor do que ousavam esperar. Alguns desculpavam-se, outros pediam perdão, mas nem um só encontrou misericórdia e, como desertores de seu partido, que haviam abandonado pelo partido oposto, foram supliciados segundo o julgamento do conselho de guerra.

Morte vergonhosa seguida de muita glória.O que considerei inexcusável no rigor da sua justiça foi a morte de dois infelizes presos mais tarde, numa outra caravela que ia da Bahia para Portugal. Vejo-me constrangido a particularizar esta aventura: um era valão, natural da ilha, em Flandres, e servira 14 anos aos holandeses, sendo-lhe ainda devida a maior parte dos seus salários. Este pobre valão, por uma reviravolta da fortuna, que persegue todos os desgraçados, foi aprisionado pelos portugueses no Cabo Santo Agostinho, quando Hoogstraeten entregou esta praça e escapou de ser massacrado, pela recusa de pegar em armas, graças ao conhecimento de algumas pessoas que o fizeram levar para a Bahia, onde não obteve licença para ir para Portugal; adiava-se sua ida de uma semana para outra e durante esse tempo deixaram-no sem beber e sem comer. Viu-se forçado, enfim, a vender suas roupas para conseguir pão, ficou completamente nu vagando pelas ruas, enquanto seus camaradas estavam vestidos, bem alimentados e não ficavam sem dinheiro desde que tomavam as armas. Esta consideração induziu-o a servir como os outros, o que fez durante dezoito meses, após os quais tanto importunou o Vice-Rei, que este lhe concedeu passaporte. O outro era um inglês que servira doze anos aos holandeses, era um daqueles que obtiveram baixa e embarcaram num dos sete navios que estavam na Paraíba prestes a partir para a Holanda quando começou a revolta. Este soldado foi igualmente aprisionado no Rio São Francisco quando da derrota dos homens de Henderson, e de lá foi levado para a Baía de Todos os Santos, onde a grande necessidade o levou a pegar em armas. Depois de muitas súplicas, também obteve sua baixa e não quis, do mesmo modo que o valão, resistir nem defender-se quando os holandeses atacaram a caravela em que seguia. Apesar das ordens recebidas e das alegações que apresentavam e provavam, pelo testemunho dos portugueses e de outros que os tinham visto no estado que diziam, também eles foram enforcados. Antes de morrer, não sabendo como suportar aquele transe, seu único recurso foi clamar contra seus juízes ante os quais perguntavam, num tom de voz tão magnânimo quanto digno de piedade, se era assim, tratando ignominiosamente sua inocência, que reconheciam os sofrimentos e trabalhos a que se tinham exposto e sujeitado durante tantos anos de sua vida, a fim de conquistar para eles o país e derrotar os seus inimigos; se a recompensa devida à sua fidelidade era fazê-los perecer, na infâmia de morte horrível. Somos nós criminosos, indagavam, pelo fato de ser o inimigo mais forte e em maior número" Nossa condição era bastante inditosa, pois ou morreríamos de fome, ou seríamos forçados a pegar em armas, e foi essa mesma necessidade que nos conduziu ao cadafalso, pois se quiséssemos voltar para vós (o que nos era impossível) e fôssemos surpreendidos pelos portugueses, que suplícios nos teriam sido inflingidos" E desde que a sorte nos recolocou em suas mãos e nós nos encontramos entre vós outros, eis o que acontece: em lugar de sermos festejados e de dar valor à nossa constante lealdade, somos por vós sacrificados a um fim vergonhoso. As sentidas lamentações destes pobres infortunados foram transmitidas ao conhecimento do Alto Conselho que lhes concedeu graça, mas quando esta chegou, nada mais havia a fazer, pois tinham sido supliciados perto de Afogados, a meia légua do Recife, e à vista dos portugueses que, na mesma hora, souberam por um soldado fugido para junto deles a causa e o motivo daquelas mortes. Quinhentos deles vieram à meia-noite, tiraram-nos da forca e os enterraram