percorrê-la, ir à procura de gado e regozijar-se com tal feito, uma vez que ninguém lhes oferecia resistência.Os Senhores do Conselho, assim que souberam dessas notícias, logo cantaram vitó-ria e, em lugar de permitir a pilhagem e alguns dias de folga aos soldados, imediatamente introduziram o seu sistema de economia; mandaram encerrar nos currais ou parques o ga-do dos campos, que ali existia em grande número, em quantidade incomparavelmente maior do que em qualquer outro lugar, chegando a existir um habitante que possuía dez a quinze mil cabeças. Proibiu-se terminantemente que se matasse o gado e os que desobedeceram foram severamente punidos. É certo que se distribuía aos soldados tanta carne ou mais ainda do que podiam comer, mas ela passava antes pelas mãos dos capitães e dos outros oficiais que escolhiam os melhores pedaços, não lhes deixando senão o refugo já fétido e estragado, de vez que a carne fresca nesse país com pouco manejo logo se corrompe, e por maiores que sejam os cuidados tomados não se pode conservar da manhã à noite a não ser que seja cozida e temperada com vinagre, hipótese em que pode ser guardada dois dias, sob a condição de ser preservada das moscas e formigas que se introduzem em quase toda a parte. Dispondo de uma tal quantidade de gado, era preciso também abastecer o Recife, para a provisão dos soldados, marinheiros e burgueses que viviam suspirando por alimentos frescos, no meio do calor contínuo e insuportável, que enchia os hospitais de doentes e os cemitérios de mortos.O forte do qual acabamos de falar não agradou a Henderson, e este mandou demoli-lo e construir um outro que, logo após ter sido terminado, foi destruído por uma grande chuva que durou cinco ou seis dias, de modo que foi preciso reconstruí-lo. Diversos soldados muito constrangidos pelo trabalho braçal, desertaram para o lugar onde os portu-gueses começavam a formar uma tropa. Um flamengo de Anvers, escrivão de uma compa-nhia, convencido a escrever aos inimigos por intermédio de seu camarada que servia secre-tamente de mensageiro, sendo um daqueles que se tinham amotinado durante a vinda do nosso navio e que ajudara a pilhar durante vinte e um dias o armazém, foi enforcado; o que houve de extraordinário em sua morte, porém, foi que se necessitaram quatro cordas e foi dependurado quatro vezes antes de perder a vida, pois três delas se partiram, uma após a outra, como se fossem fios de linha, e ele caia de pé. Sem parecer muito comovido, pedia ele perdão, que lhe teria sido concedido, se a condenação não fosse por traição. A quarta corda, todavia, liqüidou-o. Seu cúmplice não foi apanhado.O número desses portugueses aumentava pouco a pouco devido aos recursos que recebiam de tempos em tempos da Bahia e não dos arredores do Recife, como Schkoppe previra, lugar que não abandonaram. Uns 1200 homens que vinham em marcha para ata-car o forte de Henderson surpreenderam a um quarto de légua, próximo de um posto avançado, uns vinte homens do lado dos holandeses e os mataram, tendo o posto vizinho escutado o barulho e dado alarme aos do forte. Henderson, que tinha uma perna doente e não podia sair, mandou aprestar tudo para a batalha, com exceção de três companhias que ficaram guardando a praça, e ordenou que o Capitão La Montagne os conduzisse e fosse ao encontro do inimigo, que se acreditava não ser muito numeroso. Quando chegaram ao lugar em que o posto avançado tinha sido destruído, a vanguarda, o corpo de batalha e a retaguarda se juntaram e eles perceberam um batalhão de duzentos homens, que correram a atacar de um só golpe; a seguir, como pensassem carregar de novo suas armas para perseguir aqueles que simulavam uma retirada, viram-se cercados por cinco bandos de portugueses que, tendo assim se dividido, os atacaram de todos os lados, desbarataram--nos, mataram e fizeram prisioneiros, salvando-se quatrocentos que possuíam melhores pernas e se refugiaram no forte. O Capitão La Montagne, seu comandante, morreu no campo de batalha, e o Ministro Astette, que quisera tomar parte na empresa, foi levado
História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo