História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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miséria eram as baleias, que quase roçavam nos nossos navios, para olhar-nos; os delfins, que se divertiam dois a dois, diante de nós; os dourados, que são os peixes mais bonitos, mais delicados e mais deliciosos do mar; os largos e compridos peixes que são chamados golfinhos, os quais enchiam seu ventre de água até transbordar e depois vinham expeli-la na proximidade dos nossos navios, ficando com a guela para cima pelo espaço de meio quarto de hora.

Água mortalSe esta calmaria tivesse continuado seria capaz de fazer-nos perecer a todos, como tinha acontecido no ano anterior a um navio português sobre a mesma Linha, do qual não foi encontrado um único homem vivo e somente seis semanas depois que todos mor-reram, conforme foi notado pelo diário de bordo, se deu com ele, segundo asseguraram dois marinheiros que faziam a viagem e tinham estado presentes. A própria água das chuvas já estava contaminada antes de cair, cheia de pequenos vermes, e além do mais, era tão venenosa que mal as gotas tombavam sobre as mãos, a face ou em outros lugares do corpo, aí se formavam bolhas e empolas, com uma ligeira dor.

A mentira de alguns historiadoresTendo-se o vento tornado favorável, passamos para o hemisfério meridional e pu-demos julgar a falsidade das narrativas de certos historiadores que dizem poder-se abranger com a vista sobre a Linha, os dois polos num só instante, ao passo que justamente quando ali se está, não se vê nem um nem outro. O mesmo pode dizer-se quanto ao que se tem escrito sobre as vagas do lado sul e do lado norte, que viriam chocar-se sobre esta Linha, para assinalá-la, pois ela é apenas um círculo imaginário no céu e se dizemos estar abaixo, quando estamos a dois ou três graus, aquém ou além, não pode ser reconhecida sobre a água. É verdade que se percebe, insensivelmente, dificuldade para as embarcações, porque, aproximando-se dela, é preciso subir e há uma grande facilidade na descida, quando já se passou.Tínhamos navegado uns quinze dias, quando os pilotos nos disseram que estávamos na altura da Baía de Todos os Santos, a cem léguas além do Recife, onde tinham ido expressamente para procurar o vento sul, cem léguas mais acima, em lugar de tomá-lo duas ou três léguas mais baixo, por causa da estação deste vento que, como o do norte, sopra seis meses e assim divide o ano. E tendo tomado o seu curso em direção à terra, eles nos prometeram que de um dia para outro nós a veríamos. Seis dias inteiros se passaram nesta esperança, quando, vogando a todo o pano, descobrimos, enfim, o Cabo Santo Agostinho, e duas horas depois a cidade de Olinda, em seguida o Recife e viemos ancorar a meia légua daí.O Senhor Van Goch foi o primeiro dos novos Senhores a chegar. Já havia outros navios aportados há quatro ou cinco dias e tão a propósito que se eles não nos houvessem antecedido deste modo, nós não teríamos jamais posto os pés no Recife, mas teríamos si-do forçados a voltar. Este pobre povo definhava e achava-se de tal forma oprimido pela violência da fome, que tinha perdido a paciência e a esperança e, sem considerar mais nem o país nem os meios que lhes restavam, não pensavam em outra coisa senão em salvar sua vida e garantir-se contra a morte. Nesta impotência de continuar a subsistir, tinham re-solvido, no Conselho e na Assembléia dos Burgueses, enviar, no dia seguinte àquele em que estes três navios fundearam um pedido de capitulação aos portugueses, entregando-se à sua misericórdia e abandonando-lhes tudo em troca da vida, de víveres e de navios para poder voltar.De todos os habitantes, os mais transidos de medo eram os judeus, aos quais os portugueses tinham jurado jamais dar tréguas e queimá-los todos vivos. Por isso tinham-se proposto morrer de armas em punho e vender bem caro sua vida, de preferência a cair nas mãos dos portugueses. Logo que os nossos navios foram reconhecidos, todos os barcos