História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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praticou assim, ato de almirante que, ao mudar de rota, atira para avisar os outros que o acompanhem, mas deixaram-no ir. Ação gloriosa e inteligente do Senhor Van Goch.

Um bom vento constante, que durou um mês inteiro, permitiu-nos cobrir mil e du-zentas léguas nos altos mares da Espanha, onde as embarcações devem navegar com habilidade, pois as vagas, aí, são três vezes mais altas do que nos outros lugares, estando o mar comumente agitado. Por esta razão os nossos navios retardaram-se muito a esperar uns pelos outros, e era preciso, às vezes, ferrar as velas durante dias inteiros; deliberou-se, então que cada um seguiria o curso que quisesse e tomaria a dianteira para chegar o mais depressa possível a Recife.Passamos, a seguir, diante do Cabo de Finisterra, ao longo das costas de Portugal, depois dez a doze léguas na altura da cidade de Lisboa, e depois perto das grandes e altas rochas que aparecem no mar e que são chamadas Coches de Barrolles; os marinheiros pre-tendiam que todos os que não tivessem ainda estado ali lhes deviam dar dinheiro para be-ber e que eles tinham o direito de dar um banho nos que se recusassem, pois tinha sido sempre o costume; o Rei da Inglaterra, quando ainda Príncipe de Gales, na viagem à Espa-nha, fora obrigado a dar uma certa soma em dinheiro aos marinheiros. Os soldados zom-bavam deles e de todas as razões em que fundavam seus pedidos, não querendo ouvir falar em dar coisa alguma; os marinheiros procuravam pegar alguns que já tinham ligado com cordas pelos sovacos para molhá-los no mar quando se viram atacados pelos outros soldados que tinham ido correndo armar-se e estavam prestes a matar-se uns aos outros. O Senhor Van Goch tratou logo de dominar este conflito sobrevindo em menos de meia ho-ra; ordenou aos oficiais que cada um prendesse aqueles que estavam sob seu comando e em seguida viessem apresentar as suas razões diante dele. Os marinheiros, insatisfeitos, jo-gavam toda a culpa sobre os soldados, pediram que alguns deles fossem punidos, pois que-riam recomeçar outra rebelião; os soldados, ao contrário, mostraram ser os marinheiros os agressores, disseram que não os deixariam atormentá-los e que estes continuariam comu-mente a maltratá-los, se eles próprios não reagissem e não fossem mais numerosos. O Senhor Van Goch expôs novamente a estes marinheiros ser expressamente proibido pelas ordenanças dos Dezenove, que mandou ler, batizar alguém (que é o termo usado no mar, em lugar de dizer molhar), a não ser mediante ordem da Justiça. Além disso, o direito de que eles falavam só devia ser exercido amistosamente, e não podiam forçar pessoa alguma; e ainda que os soldados tivessem toda a culpa, caso ele quisesse castigá-los seria impedido e daria lugar a que recomeçassem as manifestações de descontentamento. Depois repreen-deu asperamente os soldados por terem lançado mão das armas, em lugar de irem queixar--se a ele; tirou-lhes os seus mosquetes, fuzis e espadas, que mandou fechar no quarto do artilheiro, para restituí-los quando fosse necessário. Para contentá-los mandou dar a cada marinheiro um quartilho de vinho francês e a cada cuba ou grupo de sete soldados, dois quartilhos; os marinheiros escarneciam dos soldados por tê-los feito desarmar e de terem sido bem pagos, e os soldados riam-se de tê-los surrado e de terem ainda sido recompen-sados com vinho.E continuando, assim, a nossa navegação, os pilotos disseram que estávamos na altura do Estreito de Gibraltar, a setenta léguas de distância mais ou menos do Porto Santo; passamos próximo às ilhas da Madeira, vimos Tenerife e o Pico da Canária, esta alta mon-tanha cujo soberbo cume vai além da região média do ar e o qual se pode perceber com tempo calmo e sereno, a umas setenta léguas de distância, mas também quando isso acon-tece denuncia uma tempestade próxima e impetuosa.Os nossos pilotos, por terem se enganado no cálculo de seu curso, que marcavam pela bússola e pelo astrolábio, ao meio-dia, e, às vêzes, à noite, pela Estrela do Norte, levaram-nos