da morte, que nos parecia mais provável do que a vida, no-la garantiu, pela habilidade que deu aos nossos pilotos. Estes tinham abandonado tudo e prendido o cabo do leme, deixando-nos flutuar ao sabor das ondas, e quando já haviam avançado até uns dez ou doze passos dos rochedos, vendo que a costa formava uma sinuosidade, prontamente viraram as velas e o navio ficou contra o vento, que soprava do lado da terra e cuja violência ia de encontro à grande agitação da maré, impedindo que ela levasse os nossos navios para a praia, embora os fizesse pender e virar todos sobre um lado, molhar e arrebentar as velas, ensopar as pontas dos mastros no mar, romper os cordames, ao mesmo tempo que a água entrava em grandes vagas pelas escotilhas ou pelas vigias do convés, a qual, espalhando-se pelo interior, estragou uma parte do que aí estava.Permanecemos neste pavor pelo espaço de sete horas, esperando a todo momento ver-nos colhidos pela morte, quando, para aumento do terror, sobrevieram as trevas, fa-zendo-nos perder toda a esperança de salvar-nos no meio de tantos perigos. Finalmente, porém, serenou a tormenta e, sobrevindo a vazante, depois dos nossos navios terem voga-do ao léu durante algum tempo, os pilotos ancoraram e puseram-nos ao abrigo, atrás de uma pequena colina.
Surpresa muito espantosa. Coisa notável. Interesse disfarçado sob o nome da honraOs soldados, marinheiros e passageiros, moídos de uma fadiga tão rude, com o estômago doente pelos vômitos e náuseas que a tempestade nos tinha provocado, facilmente se acalmaram com o repouso trazido pela placidez do sono; mas experimentaram também muita surpresa e espanto quando, ao alvorecer, foram desagradavelmente acordados por seis descargas de canhão feitas contra os nossos navios, de um forte de pedra situado na costa, a dois tiros de mosquete de nós, que mataram três homens e feriram quatro ou cinco. O senhor Van Goch enviou prontamente a este forte, numa chalupa, o mestre e capitão do navio, que era zelandês, Hameling, inglês, capitão dos soldados, e eu que falo, a fim de que um de nós três fosse entendido. Dirigimos-nos àquele que ali comandava e lhe perguntamos a razão deste mau tratamento e de quem tinha recebido a incumbência de nos afagar deste modo; ele poderia ter reconhecido pelas nossas bandeiras que se tratava de uma esquadra dos Estados Gerais, amigos comuns do Rei de Inglaterra e de seu Parlamento, e se ele queria iniciar, conosco, a quebra da paz. Respondeu-nos que o forte em que nós estávamos tinha sido tomado apenas há oito dias pelo Parlamento, que aí conservava seguro o Rei, e ele respondia pessoalmente, com a sua cabeça, pela guarda deste. Desconfiara que tantos navios estives-sem ali para atacá-lo, e não só mandara atirar sobre eles, como fizera soar o alarme em todo o país, de modo que em menos de três ou quatro horas teria mais de sete ou oito mil homens. Estava desolado pelos mortos e feridos, mas cumprira apenas o seu dever, porque nós devíamos ter salvado o forte, a exemplo de todos os navios que ali ancoravam ou passavam por perto; quanto à bandeira, não era obrigado a acatá-la, primeiro, porque poderia ser disfarçada, e depois, porque não era permitido a nenhuma nação desfraldar o seu pavilhão nos mares da Inglaterra, a não ser os próprios ingleses. Dissemos-lhe que ali havíamos aportado involuntariamente; viajávamos para o Brasil e a tempestade nos conduzira a este ponto entre as trevas da noite, com perigo da nossa vida, sem que conhecêssemos o lugar onde estávamos, nem soubéssemos que ali existia um forte. Foi uma desgraça, replicou, mas só nós tinhamos de suportá-la, e então cobrou-nos seis libras por tiro de canhão, mais pela honra, dizia, do que pelo dinheiro. Quanto ao resto, fez-nos comer lautamente, enviou ao nosso navio-almirante vinho da Espanha, com mil escusas ao senhor Van Goch. Isto feito, soltamos as âncoras e saudamos com três tiros de canhão o forte, que respondeu com um único tiro.Uns três dias depois de estarmos no Mar da Mancha, os soldados alemães do nosso navio-almirante sublevaram-se e armaram os outros, queixando-se todos de que não recebiam