História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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os cabos de dois dos nossos navios, que a seguir encalharam na areia; alguns se afogaram, outros foram socorridos e salvos pelos escaleres ingleses, que se apoderaram, em pagamento de seus serviços, de tudo que encontraram nestes navios. Quanto à artilharia, munições, velas, cordames, mastros, âncoras e cabos, o capitão das dunas ordenou fossem levados para as fortalezas, dizendo que os navios encalhados ou naufragados nos portos, enseadas e angras da Inglaterra, que chamam a Câmara do Rei, pertenciam de direito, com todos os seus pertences, ao Almirantado, assim como tudo que cai ao mar, a duas léguas da praia; obrigou que lhe fossem entregues as âncoras com os cabos que se tinham rompido, as quais os nossos marinheiros tinham pescado e retirado do fundo do mar.Esta tempestade impediu-nos de ir à terra por três dias, durante os quais os solda-dos e marinheiros salvos, que tinham perdido tudo, atacados pelo frio e pela fome, porque se lhes recusavam esmolas, quiseram internar-se no país para aí procurar do que viver; mas imediatamente os ingleses armaram as companhias da região, que chamam de train'bands**, os quais prenderam todos estes soldados e marinheiros e os trouxeram de volta às dunas; e mandaram dizer ao senhor Von Goch, comandante da esquadra, que os fizesse voltar prontamente para os seus navios, ou eles os mandariam transportar para a Holanda às custas da Companhia. Foi preciso alugar, sem demora, um navio especial, pelo dobro do que se teria podido conseguir com calma, a fim de fazê-los retornar a Midelburgo e mandá-los voltar em outros navios.Tornando-se o vento um pouco favorável, depois de dois outros dias de viagem, o mesmo vento contrário soprou de tal modo sobre o mar, que nos foi preciso ancorar apressadamente num dos portos da ilha de Wight,* que nós já havíamos passado, chamado Santa Helena, entre a ilha e o continente, a qual está a três léguas além da cidade de Antonne, onde nos mostraram uns restos dos destroços de um rico navio da Holanda, ava-liado em dois milhões, que vinha do Brasil, o qual tinha naufragado há três dias despedaçando-se contra um rochedo, à distância de um tiro de mosquete, do outro lado da ilha; das trezentas pessoas embarcadas, só se salvaram umas trinta. Qualquer que seja o tempo, o mar aí é sempre bastante calmo, mas só pudemos sair com grande dificuldade, pois a inconstância dos ventos prendeu-nos durante nove semanas inteiras; por vinte vezes desancoramos e navegamos, ora uma, duas, quatro, dez ou doze léguas e por vinte vezes os ventos contrários forçaram-nos a retornar ao ponto de partida.As notícias que recebemos de um outro navio do Recife que, por acaso, veio ancorar perto de nós, foram no sentido de que os holandeses ali se encontravam num es-tado de extrema penúria e que à nossa chegada talvez o país já estivesse perdido; há dois meses, quando tinham partido o povo dispunha de pouquíssimos víveres, conseguidos com sofrimentos incríveis. Apesar do vento contrário, a esquadra ganhou o mar da Mancha, on-de os ventos impetuosos se tornaram tão fortes que nos jogaram ao longo das costas de Wymouth,* * em Portland, lugares muito perigosos, e isto, em parte por culpa dos pilotos que não tinham conservado a rota pelo alto-mar: as vagas furiosas impeliam os nossos navios contra a praia bordada de rochas e escolhos e ali naufragou e se despedaçou a nossos olhos um navio escocês, dentro do qual iam duzentas pessoas, presas deste infiel elemento, com gritos e gemidos que redobravam o nosso pavor de nos acontecer o mesmo; mas a bondade divina, depois de ter-nos mantido nesse receio e de ter-nos mostrado os horrores** No texto, trenne-bandes. Adotamos a grafia correta, segundo o Webster's Third International Dictionary Unabridged. (L. B. R.)* No texto, Vvicht. (L. B. R.)** No texto, VVehtmur. (L. B. R.)