História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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pedido; esqueceram a irritação e seu semblante humilde e agradável era um convite a cada um, caso não lhes quisesse bem, ao menos a não fazer-lhes mal. Foi preciso saber como acalmar os soldados, os quais, influenciados enfim, por palavras brandas, conselhos, promesssas e esperança de breve socorro reduziram suas exigências a dinheiro. Era preciso, contudo, encontrá-lo, pois não existia, e os cofres da Companhia apresentavam-se vazios, estando os recebedores e tesoureiros em falta.Os judeus, que viam esta necessidade, e que em qualquer momento de desordem tornavam-se a presa de todos, recordaram-se de que a perda de Constantinopla, tomada à força por Maomé*, só tinha ocorrido pela sórdida avareza dos cidadãos, que se negaram a contribuir com os seus tesouros para o Imperador pagar seus soldados e fazer vir outros, embora este bom Imperador lhes tivesse ido suplicar dinheiro de chapéu na mão e de por-ta em porta, dizendo-lhes que seria para a sua própria conservação; sua recusa teve por re-sultado que eles próprios e todos os seus bens foram saqueados pelos turcos. Por isso, sem esperar que se lhes falasse, todos se cotizaram e forneceram a soma de cem mil escudos, que foi distribuída aos soldados, apenas para contentar-lhes a vista, pois só podiam servir--se deles para jogar e não para comprar alguns víveres, os quais eram fornecidos pelos ar-mazéns mediante a apresentação de vales assinados pelos Senhores e dados pelos comissá-rios a cada um semanalmente e não de outra forma, sob pena de morte.Estes Senhores do Conselho, tendo acalmado os soldados tiveram depois, ainda, de enfrentar os particulares ou burgueses, que, por sua vez, lhes fizeram diversas afrontas, maldiziam-nos abertamente, acusavam-nos de conluio com os inimigos, faziam correr o boato de que eles queriam fugir durante a noite para ir encontrá-los, seja por mar seja por terra; e para persuadir a todos que isso era verdade e afrontar ainda mais os seus superiores, constituíam corpos de guarda perto de suas casas, de dia e de noite, para tolher-lhes os movimentos e colocavam sentinelas à frente, atrás, nos caminhos de acesso às suas mora-das, para estorvá-los. Deste modo eles não ousavam sair depois de seis horas da tarde até as sete da manhã e durante o dia não se sentiam seguros, o que também tiveram de tolerar.Vamos, agora, porém, para a Holanda. Que diremos de todo este povo das Provín-cias Unidas e do espanto que os tomou diante da narração de tantos acontecimentos sinis-tros e funestos, que se divulgaram com ruído entre eles! Os ministros de diversas religiões e em todas as línguas usadas nas pregações exageravam apaixonadamente, em seus sermões, a deslealdade dos portugueses, serviam-se de todos os termos próprios para originar o ódio e o horror contra eles, narrando eloqüentemente as crueldades que tinham infligido aos seus compatriotas, por meios que, diziam, jamais poderiam ser suficientemente expiados.O povo de Haia, comovido, quis atacar o Embaixador de Portugal, que ali residia; a plebe cercou seu palácio, e o teria forçado, arrasado e tudo destruído não fora a prudência do Príncipe de Orange, que acorreu em pessoa com o seu regimento de guardas e as companhias destacadas nas guarnições livres das cidades vizinhas, convocadas prontamen-te, e que afastaram esta tropa popular. O Embaixador da França pediu audiência aos Es-tados Gerais para o Embaixador do Rei de Portugal, o qual, em nome de seu Senhor, con-denou tudo o que os portugueses, tanto seus súditos como os deles, tinham feito no Brasil; protestou que isso se passara sem a sua ciência, trazendo-lhe extremo desprazer; ofereceu seu apoio a fim de auxiliar a castigar uns e outros, deu aos Estados todo o poder de fazer justiça aos seus próprios súditos, afirmando que detestava e desaprovava o procedimento de uns e de outros, queria empregar todo o socorro que suas forças lhe permitissem paraMaomé II, não o fundador do islamismo.