outros assassinados a golpes de clava, e os restantes terminaram a fio de espada, de diversos modos. Os holandeses não se incomodaram nem se ofenderam, antes consideraram estes atos como um pagamento devido aos soldados que tinham abraçado o partido dos traidores e se armado contra os seus superiores, o que não deviam fazer ou então imitar o Capitão Claesz. Os portugueses defendem-se do que fizeram alegando o ódio pela fuga do Capitão Claesz e de sua companhia e o medo de que estes outros fizessem o mesmo impedindo-os deste modo de levar a efeito a empresa que tinham em vista contra o Recife, que não se pode saber qual fosse. Mandaram imediatamente construir um forte, no mesmo lugar em que Claesz tinha sido posto de emboscada, e aí colocaram uma guarnição para aprisionar os que saíssem do Recife. Os senhores do Conselho deram liberdade a um turco e a um negro fugidos dos portugueses, os quais contaram terem retomado a posse de todos os seus bens diversos senhores de engenho de açúcar que se tinham retirado para a Bahia, quando os holandeses aí entraram.Os de Angola, aos quais os Senhores do Conselho tinha mandado pedir socorro e víveres, escreveram que estavam reduzidos à mesma penúria que os do Recife, pelo Gover-nador do Rio de Janeiro, em nome do Rei de Portugal, o qual com seiscentos homens, fe-chava todas as passagens. Enviaram-lhes um patacho carregado de escravos, que de nada lhes valiam; uns foram remetidos para a Ilha Fernando de Noronha e outros para São Cris-tovão, para aí serem vendidos.Como este desditoso Recife devesse ser afligido por todas as espécies de males e como se a guerra no exterior, a privação de todas as comodidades, com a morte quotidiana de seus habitantes que pereciam de miséria, não tivessem sido dores suficientemente pesa-das precisavam, ainda, combater a dissensão civil que se engendrou em seu seio. Os solda-dos, procedentes de diversas nações, bradavam em altas vozes que não se tinham compro-metido a morrer à mingua e preferiam ir perder a vida num ataque a terminar seus dias à maneira dos indigentes e pedintes que a pobreza, cansada de roer, retira do mundo; era escarnecer muito da sua profissão, a mais nobre de todas, deixar-se invadir pelos vermes que os devoravam, tanto mais que, como era sabido, eles não formavam senão um punha-do de homens e não lhes havia sido enviado qualquer socorro da Holanda, onde se com-praziam em enganá-los. Na impotência em que se achavam de atacar e de defender-se, o pior era subsistir, sendo preferível procurar cedo uma composição honrosa com os portu-gueses do que esperar que a indigência premente os forçasse a ir abandonar-se à sua mer-cê, quando nada mais tivessem, ou então, o que seria melhor, fazer-lhes sentir o que valia o seu vigor, antes que este se extenuasse, indo cair de uma só vez sobre os seus adversários. Quiseram pilhar os armazens de víveres, cometeram diversas insolências contra as pessoas dos altos Magistrados e Políticos, agarraram-nos três ou quatro vezes pelas barbas no meio das ruas, ameaçavam-nos de jogá-los ao mar, diziam que eram eles que tinham vendido o país por presentes, e que eles e só eles tinham precipitado a sua ruína. Quanto aos soldados, tinham sido sempre desprezados, considerados como lama e preteridos sempre pelos portugueses, que os seus braços tinham humilhado.Um dia em que os Senhores se tinham reunido em casa de um deles para jantar, uma dúzia de soldados ousados o soube; subiram à sala no momento em que esses Senhores se preparavam para tomar lugar, puseram-se eles próprios à mesa, jurando e renegando, e causaram-lhes tanto medo que estes, acreditando que iam ser assassinados, saíram habilmente da casa e deixaram-nos comer, bem satisfeitos de se livrarem por um banquete, ficando os soldados radiantes, de seu lado, por os haverem deixado comer regaladamente em paz.Ora, leitor, deixo a ti imaginar quantas inquietudes trabalhavam o espírito destes magistrados; o pior não era suportar estas afrontas, pois eles já não eram os mesmos que repreendiam outrora com tanta rudeza até os oficiais quando vinham fazer-lhes algum
História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses
Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo