História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

Página 48


Tudo ia de mal a pior para os holandeses e, como não podiam conservar as outras praças além do Cabo Santo Agostinho até a Baía de Todos os Santos, viram-se em face do problema de, pelo menos, garantir as suas guarniições e fazê-las voltar, a fim de emprega-las em sua defesa noutro lugar. Os Senhores, então, lhes enviaram prontamente navios-barcas a Porto Calvo e ao Rio São Francisco. Chegaram, porém, muito tarde: os portugue-ses já se haviam apoderado daquelas praças e aprisionado cerca de quinhentos homens, entre soldados e habitantes do campo, obrigando alguns a pegar em armas e levando os outros prisioneiros para a Bahia.Passaram-se alguns dias e um carabineiro a pé, dos que tinham mandado para o cerco do Recife, escapou e assegurou que os portugueses se preparavam para ir atacar a ilha de Itamaracá. Jorge Garstman, major de um regimento, foi eleito general da milícia em lugar de Haus, que estava prisioneiro, e partiu com duas companhias, indo alojar-se no Forte de Orange, praça à margem do rio, no trajeto que separa a ilha da terra firme de Goiana. Bullestrate, membro do Alto Conselho, foi à cidade de Schkoppe, construída no cume da montanha da mesma ilha, mandando retirar os habitantes da parte baixa. Os portugueses aí vieram dois dias depois, e em lugar de dirigir-se ao forte, que sabiam estar em guarda, foram assaltar e quiseram forçar em pleno dia a cidade de Schkoppe, da qual foram vigorosamente repelidos, com perda de trezentos homens mortos em combate. Sleutel, Capitão e Governador da ilha, acusado de traição, foi feito prisioneiro, mas não se possuindo nenhuma prova contra ele, foi absolvido e restaurado apenas no posto de capitão.Os portugueses, que tinham visto baldados seus esforços de tentar tomar violenta-mente Itamaracá, voltaram suas vistas para o Forte Santa Margarida, na Paraíba, e procu-raram conquistá-lo pela sutileza, em lugar das armas. Sabendo que o português Fernão Rodrigues de Bulhões* Secretário da Justiça e que vivia sob o favor da anistia, era amigo íntimo e familiar de Paulo de Linge, diretor da Capitania, servira-se dele para suborná-lo e tratar de corrompê-lo, a fim de que lhes entregasse a praça; mandaram-lhe prometer, por intermédio deste, cinqüenta mil libras, caso concordasse, e um cargo real na Baía de Todos os Santos. Aquele, logo que escutou esta proposta, mandou imediatamente prender e enforcar Bulhões sem qualquer formalidade.O sargento holandês que comandava o reduto da cidade de Olinda não ofereceu tanta dificuldade, e mediante a oferta de mil libras e um posto de alferes, entregou-o com quatorze soldados que o guarneciam e foram mortos. De todas as partes, pois, Recife viu-se inteiramente bloqueado. Não lhe restou mais que o Mar da Líbia,* que observavam sem cessar a fim de descobrir alguma frota holandesa que os socorresse. A paciência tornou-se-lhe virtude muito comum no meio dos cruéis golpes que o rigor da fome começava a infligir a diversos e a sede a todos, fomentada pelas carnes ordinárias salgadas da Holanda e pelo contínuo calor do país, que está sempre em perpétuo verão; só dispunham, para matar a sede, de más águas salobras.A implacável e cruel necessidade, que não quer outras leis senão aquelas que ela própria prescreve, e autoriza tantas coisas naturalmente iníquas, fazendo-as passar por justas, sugeriu aos Magistrados do Recife, a fim de abafar o murmúrio dos pobres contra os ricos, ameaçador de desordens, que fossem pessoalmente de casa em casa acompanhados de sol-* No texto, Fernandes Boüilloux. Correção feita seguindo Varnhagen, História Geral do Brasil, São Paulo, s. d., 3ª ed., t. 3, pág. 36.* Mar da Líbia tem sentido figurativo, significando a África, da qual esperavam que chegassem re cursos.