História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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dados armados para recolher todos os víveres que aí encontrassem; estes, depois de registrados, seriam mandados para os armazéns públicos, onde, em seguida, seriam distribuídos igualmente a todos, pequenos e grandes, pobres e ricos, diminuindo-se as porções semanalmente enquanto se esperava socorro. A própria lenha tornou-se tão rara, pela reduzida extensão de terreno em que ousavam ir buscá-la, que os soldados comiam a maior parte do tempo carne crua ou mal cozida, com água salobra; nos fornos de pão era-se obrigado a usar destroços de navios, barcas e caravelas naufragados na areia da praia do porto ou contra os rochedos, os quais, sendo revestidos e cheios de resina e alcatrão, davam tão mau sabor a esse pão, que doía o coração e fazia mal ao estômago. Juntavam-se a isto os contínuos esforços e trabalhos com que todos contribuíam, sem exceção, para as reparações dos baluartes e muralhas do Recife, danificados pelas copiosas chuvas.Grande quantidade de homens, mulheres e crianças morreram de miséria e os mais robustos viviam desgostosos, apresentando-se sem cessar nas avenidas a sustentar os freqüentes alarmes dados pelos portugueses, aos quais faltava apenas ânimo para forçá-los. Aproximavam-se freqüentemente, é certo, mas os tiros de canhão eram desagradáveis a seus ouvidos e preferiam limitar-se a amedrontar os holandeses a ir lutar com eles muito de perto.Dois navios de Amsterdão, repletos de víveres, chegados da Holanda, vieram restaurar estes corpos abatidos, aos quais prometeram, para alegrá-los, um bom, poderoso e próximo socorro. O que mais os animou à resistência foi a evasão de um dos seus, chamado Flavre, que estava prisioneiro dos portugueses, o qual lhes assegurou que grande número de soldados holandeses só os serviam obrigados, pois estavam cheios de afeição pelos de sua pátria e não desejavam senão a oportunidade de poder enfileirar-se entre eles; que se se arriscassem algumas tropas em escaramuças, aqueles não deixariam de vir juntar-se a eles. Duas companhias, comandadas pelos Capitães Rembach e Ia Montagne, saíram ao cair da noite e caminharam até a mata, guiados por Flavre, organizaram suas emboscadas e enviaram vinte homens para realizar um reconhecimento; estes, tendo percebido os inimigos, fizeram suas descargas e retiraram-se em boa ordem. Os portugueses se alarmaram, formaram um grosso de dois mil e quinhentos homens e marcharam contra os holandeses que, vendo-os vir, de suas emboscadas fizeram também suas descargas e bateram sempre em retirada, esperando que aqueles de que Flavre tinha falado viessem encontrá-los, o que nenhum fez, porque estavam, então, na retaguarda. Retiraram-se os holandeses imediatamente para o Forte dos Afogados, a meia légua de Recife, de onde descarregaram toda a sua artilharia sobre os portugueses que, inconsideradamente, tinham avançado demais, perdendo uns quarenta homens, enquanto os holandeses só tiveram doze baixas.O Capitão Claesz, o principal dos que viviam animados pelo desejo de abandonar os portugueses, aborrecido por ter perdido esta ocasião, não pensava em outra coisa senão em recobrá-la; entre os holandeses ele não tinha sido senão um pobre pescador e foi daqueles que tinham sido aprisionados e forçados a tomar as armas, quando da derrota do General Haus. André Vidal, coronel português, notou nele algum valor, e para obrigá-lo particularmente à sua pessoa e fazer crer aos outros que nele confiava e era levado a recompensar e reconhecer a todos segundo o seu mérito, deu-lhe uma companhia de soldados holandeses. Claesz sabia bem que devia muito a este Coronel, que o honrara com um posto ao qual sua humilde condição lhe proibia aspirar; mas acreditou que o vínculo que o prendia à sua pátria era maior e preferiu sacrificar-lhe sua vida, que traí-la, usando de sua habilidade e do poder a que a fortuna o havia feito ascender. Neste cuidado extremo de querer justificar-se voluntariamente, aconteceu que Vidal lhe ordenou emboscar-se com uma companhia de oitenta soldados, no lugar chamado Salinas, cerca de uma légua e em frente do Recife. Ele devia perseguir e aprisionar os que passassem o rio para ir ao campo,