História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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a um quarto de milha de distância e prontamente reenviou seu patacho ao Recife, a fim de mandar vir rapidamente outros quatro navios que aí deixara; mas como estes tardassem muito, impaciente e medroso que fugissem durante a noite, levantou suas âncoras e, depois de ter exortado seus homens ao combate e rezado, entrou à força e a todo o pano com seus cinco navios no porto de Tamandaré. Uma parte dos portugueses estava em terra onde tinham assestado uma bateria na margem, e daí atiravam impetuosamente sobre os holandeses acompanhados pelos canhões de seus navios. Lichthart, entretanto, proibiu que seus homens disparassem qualquer tiro de artilharia ou de mosquete antes de estarem junto dos inimigos e mesmo misturados entre eles, os quais, vendo-os investir furiosamente, não ousaram manter-se firmes, indo a maior parte encalhar na areia. Só o navio-almirante, comandado por Jerônimo Serrão de Paiva*, ofereceu alguma resistência; Lichthart lançou-lhe o arpéu para abordá-lo, a fim de prendê-lo e assaltá-lo bruscamente. Os soldados e marinheiros, tomados de pânico, precipitaram-se a nado, abandonando seu almirante em companhia de quinze ou dezesseis filhos de burgueses, que se defenderam com denodo; mas foram, enfim, obrigados a render-se com honra, ao passo que os outros poltrões, que pensavam encontrar sua salvação na fuga, foram perseguidos pelas barcas, batéis e chalupas holandesas, e uma grande parte, cerca de seiscentos a setecentos homens, morreram no mar e em terra. Outros salvaram-se e o restante foi feito prisioneiro e conduzido para o Recife, com três dos mais belos destes navios, após o que Lichthart mandou queimar todos os outros.

O Cabo Santo Agostinho vendido aos portugueses.Não é preciso inquirir a alegria que esta vitória trouxe aos nossos holandeses, a qual, porém, foi contrabalançada, no dia seguinte, pela notícia da perda do Cabo Santo Agostinho, que o pérfido Hoogstraeten vendera e entregara aos portugueses por dezoito mil libras e um cargo de coronel entre eles, além de trinta libras distribuídas a cada um dos trezentos soldados que se encontravam dentro do forte. A estes, voluntariamente ou à força, fizeram pegar em armas, constituindo com eles e todos os outros que também tinham fugido um regimento de seiscentos e cinqüenta homens, chefiados por Hoogstraeten; estes, pouco depois, causaram mais terror aos holandeses que todos os portugueses juntos, por isso que eram a elite de seus soldados.Assim, pela deslealdade, ambição e avareza de um homem, a Companhia das Índias perdeu uma das praças mais importantes de sua conquista no Brasil, seja pela força e situação do lugar, seja pela facilidade do comércio possibilitado pelo seu belo porto, tão seguro e cômodo como o do Recife, cuja conquista, depois de haver-lhes custado tanto sangue e riquezas, só lhes serve, presentemente, de escolho e de refúgio às partidas de seus adversários, que impedem os holandeses de aparecer no campo, a não ser correndo perigo. Também eles tinham tido sempre o cuidado de aí manter uma boa guarnição e colocar alguns homens corajosos: Hoogstraeten, pelo seu mérito nas armas, chegou de simples soldado aos postos de capitão, major de regimento, major e depois comandante do Cabo de Santo Agostinho, e, finalmente, major-general das tropas; e eis que, no meio das honrarias de que a sua nação o havia declarado digno, e a ponto de ser nomeado chefe e general da tropa, alienou covardemente a sua virtude, amortalhou sua reputação e por um motivo infame traiu vergonhosamente sua religião, sua honra e sua pátria, à qual causou por isso um dano irreparável, tírando-lhe, não somente o meio, mas a esperança de poder aí restaurar-se, a não ser mediante a ruína total deste belo país. Os próprios portugueses, a quem esta traição tanto agradou, só o chamam de coronel traidor e já se teriam desfeito dele, se não fora a proteção do Vice-Rei, que o mantém na sua corte.* No texto, Jerônimo Ferra. (L. B. R.)