História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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uma lauta refeição e em seguida ao ágape os Senhores e seus criados seriam apunhalados e degolados. À noite alguns iriam a Recife avisar que os Senhores voltariam e que se esperasse por eles; como não mantinham ali uma boa guarda, alguns entrariam e os outros permaneceriam à porta para receber o grosso que deveria vir um quarto de hora depois; a seguir, como de assalto, se apoderariam da porta, das muralhas da Cidade Maurícia e das praças de armas. À mesma hora, uma grande quantidade de barcas que simulariam vir de Barreta, carregadas de açúcar, como comumente acontecia, se apresentariam no porto, desembarcariam e dela se apossariam imediatamente; disparariam a carga, ganhariam as praças e bastiões do dique e fariam a pilhagem por toda parte até o amanhecer. O plano, quanto à Paraíba e ao Rio Grande, era o seguinte: nesse mesmo dia de festa se promoveriam, como passatempo, jogos de torneios públicos junto às fortalezas, os quais, segundo o seu costume, os holandeses não deixariam de vir apreciar, e, então, carregados de punhais e pistolas, sob suas vestimentas, se encarregariam de seus rivais e os matariam, sem perdoar mulheres nem crianças, até que se tornassem donos das praças, entregando-se tudo à pilhagem, enquanto a frota prometida por Vidal se aproximaria. João Fernandes Vieira recebeu o despacho e comunicou-o aos principais, que fizeram execráveis juramentos sobre os altares de conservá-lo em segredo. Entretanto, uma vez que a virtude é encontradiça em todo lugar, e que mesmo entre os povos mais viciados e corrompidos se encontram, sempre, algumas pessoas de bem, dois senhores de engenho portugueses e de grande renome, levados por um impulso de boa consciência, tiveram horror de um projeto tão bárbaro e, exagerando as desgraças que ele deveria trazer, trataram de evitá-lo. Escre-veram tudo numa carta anônima que deram a um judeu, o qual a levou aos Senhores do Conselho, avisando-os de que todos os habitantes do campo estavam secretamente recru-tados. Cinco outros judeus secretos, que passavam por cristãos entre os portugueses, dei-xaram suas moradas no campo para vir confirmar a mesma coisa no Recife: mas quase ao mesmo tempo o político Moucheron e o capitão-advogado da guarnição de Goüe manda-ram apressadamente dizer aos senhores do Conselho que eles tinham tido aviso certo de que os chamados Camarão e Henrique Dias, coronéis portugueses, com grande número de guerreiros, tinham partido da Baía e atravessavam o país para começar a guerra.Não é preciso indagar os transes e emoções sofridos pelo conselho holandês diante destas más notícias; mas, como se estivessem cegos numa ocasião de tanta urgência, em lugar de mandar prender no campo João Fernandes Vieira, ordenaram-lhe apenas, por intermédio do judeu Abraão Cohen*, que viesse encontrá-los para concluir um contrato começado com a Companhia, tencionando, no entanto, prendê-lo caso os atendesse. Ele, porém, suspeitou imediatamente, e mandou de volta o mensageiro para avisá-los de que viria vê-los à tardinha, o que se guardou bem de fazer e num abrir e fechar de olhos comunicou aos outros que era preciso partir e fugir com ele para a mata, para onde carregaram todas as suas armas. No dia seguinte, como não tivesse chegado ao Recife, mandou-se força armada à sua casa para trazê-lo, assim como todos os chefes de família portugueses; não encontraram nas casas senão os pobres anciãos que foram em seguida soltos.De Unge, político e diretor da Paraíba, temendo que aí acontecesse alguma surpre-sa, dirigiu-se rapidamente do Recife, onde estava, para lá, e à sua chegada fez desembarcar todos os soldados que se encontravam em sete navios carregados de açúcar e prestes a partir para a Holanda, esperando só o vento; alojou-os nos fortes e redutos, foi à Cidade* No texto, Coign. Assinou como membro o Livro de Ministros das Congregações Zur Israel de Recife e Magen Abraham de Maurícia. Cf. Arnold Wiznitzer, The Records of the Earliest Jewish Community in the New World, New York, American Jewish Historical Society, 1954, 51, e do mesmo autor, "The Menbers of the Brazilian Jewish Community (1648-1653)", Publications of the American Jewish Historical Society, vol. XLII, n° 4 (June 1953), 388.