História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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urna invenção deste bancarroteiro, a fim de receber recompensa e isenção ou mora para pagar suas dívidas. Eles se tornariam desprezíveis se, à menor notícia, do primeiro que aparecesse, fizessem, a todo momento, afrontas aos portugueses, e sabiam muito bem que diversas pessoas invejavam Vieira.O Conselho foi também avisado de que Manuel Franco, um português familiar e grande amigo de André Vidal, que freqüentava assiduamente a casa de seu pai, emprestava abertamente na Paraíba a pessoas solváveis, com a condição de lhe pagarem três por um quando os portugueses se tornassem senhores absolutos do país, mediante contratos feitos perante notários públicos; dizia-se que ele desembolsara, assim, mais de vinte mil libras.A partida do Conde Maurício, a falta de soldados, a visível negligência dos que for-mavam o Conselho em esconder o mal que os ameaçava, e o murmúrio do povo, tornavam várias pessoas apreensivas, notadamente aquelas que tinham realizado negócios. Desejando retirar-se para seu país de origem, apressaram-se elas a reunir os seus bens o melhor que puderam e embarcavam em massa nos navios que voltavam à Europa. Esta prudência hu-mana, porém, não serviu senão para mais depressa fazê-los buscar a perda de suas vidas e de suas riquezas, pois mais de doze belos navios, avaliados em muitos milhões, e as pessoas que transportavam foram miseravelmente tragados pelo mar em diversas ocasiões, sem que jamais se soubesse dizer nem ouvir dizer como, nem de que modo.Os habitantes de Recife, que se tinham apresentado para partir sem consegui-lo, abençoaram a recusa que lhes fora feita, sem imaginar que o resto de seus dias não lhes traria mais que aborrecimentos e que seu fim seria tão digno de compaixão quanto deplo-rável fora a morte de seus compatriotas.André Vidal, cientificado por meio de seus espiões de que os holandeses não des-confiavam de coisa alguma, veio a Recife numa caravela acompanhado de um oficial da Bahia, chamado Nicolau Aranha; aí disse aos Senhores que, tendo ido cumprir seus deveres filiais para com seu pai na Paraíba, vinha prestar-lhes reverência e trazer os cumprimentos do Vice-Rei e assegurar-lhes de sua parte que não concebessem qualquer suspeita dos na-vios vindos de Portugal, pois estes não conduziam senão jovens recrutas para deixar na Ba-hia e enviar para o Rio de Janeiro, em substituição àqueles que ali serviam há mais de qua-tro ou cinco anos, e que eles não podiam reter à força. Foi maravilhosamente bem tratado e acolhido, recebendo várias visitas dos senhores de engenhos da vizinhança. Aproveitou a ocasião para pedir permissão de retribuir-lhes segundo as leis da civilidade, o que lhe foi concedido, indo ele instalar-se em casa de João Fernandes Vieira. Aí mandou vir os princi-pais da Várzea, nome da planície nos arredores do Recife, interrogou-os um a um sucessi-vamente e depois de fazê-los jurar que viveriam e morreriam por D. João IV, Rei de Portu-gal, seu legítimo príncipe, comunicou-lhes que tinha ordem expressa de sua Majestade e do Vice-Rei para livrá-los do jugo dos estrangeiros; eles deviam auxiliá-lo em favor de sua própria liberdade, para que toda a nação ficasse subordinada unicamente a este soberano. Eles bem sabiam que as leis dos holandeses eram insuportáveis, que estes eram um povo do qual eles diferiam nos costumes, na língua, na religião e na maneira de ser; que o Brasil era a sua pátria e tinham-na recebido em partilha pela habilidade de seus antepassados; que seus pais o haviam povoado e que os holandeses não o possuíam senão por usurpação e tiranicamente; que ele via em suas frontes que a natural inclinação de não obedecer senão a seu Rei não estava extinta em seus corações; que eles estavam prestes a tornar-se miseráveis sem recursos devido às suas dívidas, se não se servissem cedo do favor de seus credores, e que havia, mesmo, oportunidade de apropriar-se de suas riquezas, provenientes apenas do seu suor; que se eles pudessem assenhorear-se de três ou quatro peças, todo o testo ficaria sem resistência; que estes bebedores de cerveja precisavam ser tratados como [pagina3 8]

tinham sido os castelhanos. Que quanto ao juramento de fidelidade que tinham feito, isso não lhes devia causar escrúpulos; tinham sido forçados pelas armas e seriam absolvidos pelo Papa; que eles nada mais tinham a fazer senão lembrarem-se de Angola. Não havia necessidade de tantos assuntos escolhidos para emocioná-los a ponto de prometerem fazer tudo que lhes fosse ordenado.João Fernandes Vieira. Autor da conspiração contra os holandesesVidal entremeou no seu discurso agradecimentos pela sua afeição, pediu-lhes que não se separassem, prometeu-lhes que escreveria ao Rei dizendo-lhe que S. Majestade não tinha outros súditos mais fiéis do que eles e lhes faria conceder grandes privilégios, imunidades e recompensas. Tinha sido eleito para chefe da empresa João Fernandes Vieira e escolhidos para seus tenentes Antônio Cavalcanti e Amador de Araújo, senhores de engenho da Capitania de Pernambuco; pediu-lhes que o reconhecessem, se conformassem com as suas ordens, pe-gassem em armas quando fosse preciso marchar para a campanha e para a execução dos planos, quando recebessem aviso. Isso combinado, Vieira voltou a Recife, onde obteve passaporte para ir à Paraíba. Ali, na casa campestre de seu pai, convocou também, a pretexto de regozijo, os chefes e principais da Capitania, fez-lhes discursos semelhantes e resolveu com eles a mesma coisa que tinha resolvido em Pernambuco. E tão bem o fez que os da Paraíba prometeram obe-decer inteiramente a João Fernandes Vieira, Antonio Cavalcanti e Amador de Araújo e além destes, quando estivessem ausentes, a Francisco Gomes Muniz,* cunhado de Vidal, Lopo Curado Garro** e Jerônimo Cadena, *** também senhores de engenho da Capitania da Paraíba, e ao Coronel Manuel de Queirós Sequeira, que Vidal destacou para seus con-dutores. Depois, foi ao Forte da Paraíba, dito de Santa Margarida, mais para observá-lo com atenção do que para saudar o comandante Blauebeeck, o qual, tendo lido seu passa-porte, que dizia fosse ele honrado como um dos Senhores, ofereceu-lhe uma festa, enviou-lhe o convite por intermédio de um sargento e quatro mosqueteiros e, por ocasião de seu embarque, mandou disparar três tiros de canhão. Vidal e Nicolau Aranha, de volta à Bahia em sua caravela, foram congratular-se com o Vice-Rei pela sua feliz viagem. Nada mais res-tava a deliberar senão a maneira como executariam o seu desígnio e de que estratagema seria necessário, lançar mão.O ouro e a prata escasseavam na conquista dos holandeses, devido ao que saíra do País naqueles navios que pereceram e porque o que restara se esgotava pouco a pouco. Quem tinha algum o entesourava e mesmo aqueles que possuíam parcelas mínimas viviam a gabar-se disso. As fortunas pequenas e vulgares eram de vinte a trinta mil libras, mas, na verdade, grandes e pequenos dispunham apenas dos papéis e obrigações que lhes deviam os portugueses, dos quais, finalmente, quiseram receber o capital e juros, para valorizar e manter o seu negócio, cujo esplendor diminuía. Diziam que os portugueses empenhavam seu açúcar com outros mediante adiantamentos e que eles, seus antigos credores, ficavam para traz e não sabiam como prover-se; que diante das recusas de pagamento, os comerciantes e particulares holandeses mandariam embargar e seqüestrar os canaviais ou campos de açúcar, seus escravos e todos os seus móveis. Os portugueses experimentaram, então, um grande susto e verificaram que sua garantia única era uma mudança na situação, não sendo ainda a ocasião propícia para realizá-la. Seguindo, pois, o conselho que lhes fez chegar André Vidal, por intermédio de seus tenentes, predispuseram favoravelmente os

  • No texto, Francisco Gomes Morres. (L. B. R.) ** No texto, Loppes Coriadero. (L.B.R.) *** No texto, Ieronico Cadexa. (L. B. R.)