História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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Riqueza do BrasilO Rei de Portugal julgou ser chegada a hora de suplantá-los e restaurar a sua soberania. Estava muito bem informado de que o Brasil não era pouca coisa, que podia valer tanto quanto o seu Reino, caso ele fosse o único senhor. O Brasil rendia outrora anualmente aos cofres de D. Sebastião, Rei de Portugal, ducados líquidos e desembaraçados, sem contar os donativos gratuitos e os numerosos súditos que voltavam carregados de riquezas, aos quais a Companhia das Índias, no momento, retirava todo o lucro, extinguindo-lhes o negócio. Tendo conhecimento, por um relatório, que a Companhia carregava em Recife e nos seus outros portos de oitenta a cem navios por ano, cheios de açúcar e madeira do Brasil, D. João acreditou que seria fácil expulsá-los para sempre, o que, uma vez feito, poderia ele justificar de mil maneiras, do mes-mo modo que os holandeses tinham sabido conquistar Angola. Esta era a ocasião de lembrar tal fato e dar-lhes o troco: ainda haviam de rir-se desses negociantes. Os habitantes, que ele chamava o seu verdadeiro povo, estariam sempre prontos a viver e morrer a seu serviço, assim que ele lhes falasse, e disso não duvidava, absolutamente.

Espertezas e artifícios dos portugueses.Tomada pelo Rei de Portugal esta resolução de apropriar-se do que os holandeses tinham no Brasil, apesar da paz, foi a execução da mesma cometida ao Vice-Rei da Baía de Todos os Santos, grande zelador de sua nação, conforme dera provas na extinção dos castelhanos. Este encontrava-se no local, conhecia-o perfeitamente e era o único que po-deria inventar, melhor que qualquer outra pessoa no mundo, os meios de sair-se bem dessa empresa; escreveram-lhe, ele prometeu encarregar-se de tudo mas disse que era preciso contemporizar um pouco, e que não deixassem de despachar-lhe secretamente navios com tropas e grande quantidade de boas armas e munições, antes de começar. O Embaixador dos Estados Gerais na Corte de Portugal teve notícia deste armamento e da partida de ca-ravelas para a Bahia e escreveu a respeito para Haia; mas como não advinhassem o fim que se tinha em vista, os Dezenove mandaram que o Conselho de Recife (isto foi pelo fim do ano de 1644) se informasse. Os espertos portugueses perceberam que isto causava suspeitas aos holandeses, os quais, em face desse rumor, olhavam-nos com desconfiança e estavam sempre a perguntar-lhes para que eram estes homens e estas armas e se eles pretendiam revoltar-se. Os principais encontravam-se a todo momento em casa dos magistrados, queixavam-se e tomavam como alta ofensa que se suspeitasse deles e, com tremendos juramentos, protestavam que jamais tinham ouvido falar disso; não reconheciam outros superiores senão a Companhia das Índias e aqueles que ela lhes enviava para dirigi-los; não esposariam em sua vida outros interesses senão o dela; que se soubessem do menor mau intento, seriam os primeiros a revelá-lo; matariam com as suas próprias mãos aquele dentre eles que abrigasse tal pensamento. Como, diziam, ousaríamos nós pretender perturbar este estado" Que razão a isso nos obrigaria" Nós não vivemos pacificamente e submissos a um domínio tão brando" Não temos o exercício da nossa religião, a posse de todos os nossos bens, que nos podiam ser tirados e nos foram restituídos, além de que recebemos também a melhor parte do que os vossos navios trazem da Europa" Mas ainda que se quisesse tramar alguma empresa, poderíamos tramá-la nós próprios" Seria o Rei D. João quem nos favoreceria" Qual? Ele não quereria romper com os Estados Gerais a aliança da qual tanto se honrava e que lhe era tão cara pelos benefícios comuns e o auxílio que recebia; assim, bem longe de autorizar-nos, ele antes empregaria todas as suas forças para destruir-nos. Estes discursos traidores e falazes, secundados por donativos e presentes, mudaram a deliberação tomada pelos senhores do conselho de apoderar-se de todos os principais e mandar proceder a uma busca rigorosa por toda parte. Persuadiram-se de que a hipótese era muito frágil e de que, se os portugueses tivessem no coração alguma revolta, isso se descobriria a tempo, sendo-lhes impossível chegar ao fim; que o Rei D. João tomaria cuidado em não ofender os Estados Gerais, que36lhe eram tão necessários. Assim sendo, não sofreu qualquer diminuição a estima que nutriam pelos portugueses, ocuparam-se com os negócios, desprezaram os diversos avisos que lhes foram dados e aqueles continuaram a gozar com eles do mesmo acesso e intimidades que antes.

Paraíba é uma capitania ou província do Brasil. A vila e o castelo também se chamam Paraíba, assim como o forte Santa Margarida. Desígnio descobertoEra muito bem recebido, entre outros, João Fernandes Vieira, mulato de nascimento, escravo liberto, homem inteligente e sutil. Fora alguns anos doméstico em casa de um dos políticos, tomara conhecimento dos negócios, adquiriu crédito, sustentava firmemente os direitos da Companhia sobre o açúcar que se fazia nos engenhos, mandava cortar o pau-brasil, tinha sempre alguma proposta a fazer para o lucro da Companhia e freqüentemente oferecia aos Senhores e magistrados raridades curiosas ou de valor, que não tinham sido vistas, a fim de ganhar-lhes as afeições. Gozava de tal crédito e favor entre eles, que numerosas vezes era chamado para opinar sobre negócios da Companhia, que assim não lhe eram ocultos, porque se desconfiaria de qualquer pessoa antes dele. Seu pai era, porém, português, e ele gostava mais destes que dos holandeses. Notou-se que ele demonstrava de público, em diversos lugares, certo descontentamento contra o Conselho, porque não lhe haviam querido rebaixar coisa alguma do preço de uma fazenda, onde ele dizia ter perdido muito, além de seus esforços. Isto foi escrito ao Vice-Rei, que o subornou, tomou-o ao seu serviço, deu-lhe uma pensão e prometeu torná-lo grande, desde que lhe comunicasse fielmente tudo que se passasse e as opiniões correntes, assim como o momento que jul-gasse propício para expulsar os holandeses. Enfim, ele desempenhou tão bem o seu papel para não faltar à sua palavra e para bem encaminhar suas intenções, que com grande antecedência fez abundante provisão em sua casa de mosquetes, fuzis, pólvora e chumbo; enquanto isso, informava para a Bahia a respeito de tudo o que se dizia e fazia no Conselho do Recife e entre o povo. Suas cartas não eram dirigidas ao Vice-Rei, mas ao chamado André Vidal, seu favorito, filho de um senhor de engenho da Paraíba, que ele conhecia particularmente. A este escreveu uma vez que os portugueses tinham ganho a sua causa em Recife; tinham tido tempo de guardar as suas armas e era chegado o momento de se desfazerem dos holandedeses e tomar de surpresa as suas praças; que ele viesse encontrá-lo rapidamente e desse como pretexto uma visita a seu pai. Vidal respondeu-lhe que breve o encontraria para examinar suas forças e prover tudo que era preciso para equipar uma boa frota, a qual apareceria na devida oportunidade e lugar.Enquanto João Fernandes Vieira esperava com impaciência a vinda de Vidal, aconteceu que um judeu chamado Moisés Cohen,* premido por grandes dívidas, que teria podido pagar, caso recebesse por sua vez dos portugueses, fugiu do Recife para evitar a prisão e foi-se esconder em casa de Vieira, a uma légua daquela cidade. Um dos empregados, que sabia do segredo, convidou indiscretamente este judeu para aliar-se ao partido e fazer por ele tudo que lhe fosse possível, pois assim poderia enriquecer. Este, fingindo estar muito contente, respondeu que não pedia mais do que restabelecer sua fortuna arruinada; mas, no dia seguinte, não esperou a alvorada para vir dar o aviso em Recife, mandando suplicar aos Senhores do Conselho, por intermédio de um soldado, que lhe concedessem um salvo-conduto para ir denunciar verbalmente uma conspiração contra oEstado. Permitiram-lhe aproximar-se cerca de meia légua; aí o secretário Walbeeck, com três outros judeus, foram saber o que ele tinha a dizer. Depois de escutá-lo fizeram seu relatório ao Conselho, que retrucou que isso não passava de boatos infundados do povo eNo texto, d'Accoignes. (L. B. R.)