História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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armazéns, mas não os dotara a natureza com as qualidades necessárias para sustentar o timão de um governo soberano, e sua educação nas artes mecânicas mostrava que eram incapazes do julgamento e previdência requeridos para manter e conservar uma tão grande extensão de territórios e tantos povos e diferentes nações.

Fidalgos, o que sãoO Rei de Portugal, alerta a tudo quanto se passava, não deixou de ser avisado pelos agentes secretos que possuía entre os que estavam sob sujeição holandesa, os quais tomavam especial cuidado em informar-se e descobrir os negócios, sem serem percebidos dos Senhores, viviam estes com o espírito voltado para os navios de Angola, que chegavam de mês em mês ao porto do Recife, carregados de partidas de ouro da Guiné, dentes de elefantes e outros gêneros, mas, sobretudo, de uma multidão de pobres escravos nus, alimentados como cães, que o Rei do Congo, a Rainha de Angola ou seus fidalgos, isto é, os governadores, trocavam pelo pano, chapéus, diversas espécies de instrumentos de ferro, vinho e aguardente, uma vez que o ouro e a prata não estão em uso entre eles, e em lugar de moeda servem-se de pequenas conchas muito bonitas, encontradas às margens de certos rios. Estes escravos são prisioneiros de guerra ou criminosos condenados a serem vendidos, não existindo a pena de morte, salvo para os crimes contra o Estado.O lucro que a Companhia auferia, ou antes, pensava auferir na venda destes homens, teria sido indizível, caso o preço tivesse sido pago, pois jamais se podia mandar vir escravos em número suficiente, desde que todos os desejavam como um fundo de que consistiam os seus rendimentos, e visto que os habitantes, uns mandriões, não subsistiam senão pelo seu trabalho. Até os portugueses súditos do Rei vinham comprá-los, por que quase não podiam mais obtê-los a não ser dos holandeses, que se haviam tornado, como foi dito, senhores do país, onde antes iam buscá-los. Um escravo bem robusto e forte custava de 1500 a 1600 libras: mas a ingenuidade dos holandeses era vender caro sem saber ao certo o que faziam, pois estas vendas e compras de escravos assim como as de outras mercadorias eram todas a crédito, embora mediante certos presentes que tomaram, finalmente, o lugar do principal e juros. A precaução tomada pelos senhores do Conselho era exigir como fiadores súditos seus na Bahia para as somas pelas quais se obrigavam e que prometiam restituir em açúcar.

Crueldades infligidas aos escravos. Bebida Extraordinária. Cerimônia depois da morte dos escravosQuase receio exprimir o modo desumano e impiedoso que se usa para com esses desgraçados cativos, pois ainda mais do que compaixão, desperta repulsa. Eram de tal forma torturados no trabalho assíduo que lhes era marcado, que, ainda quando o mesmo excedia suas forças, se algum deixasse, no tempo prescrito, de executar o que lhe havia sido determinado, era amarrado e garroteado, na presença de todos os outros escravos reunidos e o feitor ordenava ao mais forte e vigoroso que desse sem interrupção no faltoso duzentas a trezentas chicotadas, desde a planta dos pés até a cabeça, de sorte que o sangue escorria de todas as partes; a pele, toda rasgada de golpes, era untada com vinagre e sal, sem que ousassem gritar ou se queixar, sob pena de receber o dobro. Algumas vezes, segundo a gravidade da falta, este castigo, ou melhor, esta tortura era repetida dois ou três dias consecutivos. Ao sair dali eram presos encadeados em um lugar escuro e, no dia seguinte, mais submissos que uma luva, eram reenviados ao serviço, onde, em lugar de esmorecer, matavam-se de cansaço, nus como animais, seus corpos fundindo-se em suor. Sofriam pacientemente o ardor dos fornos que purificavam o açúcar e os tostavam vivos, sem ousarem retirar-se nem cessar de remexer o xarope com varas e grandes bastões; para desviar as chamas e fagulhas que se pegavam às suas peles e as tisnavam, não podiam fazer outra coisa senão sacudir-se. A própria alimentação lhes era negada e apenas se lhes repartiam alguns pedaços de terreno, nos quais durante o tempo limitado de seu repouso (pois faziam-nos substituir de doze em doze horas), semeavam ervilhas, favas e milho ou trigo da Turquia e permutavam sua garapa (bebida que fa-