História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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concórdia, para ensinar-nos o quanto é perigoso fiar-se em espíritos dissimulados e que mais vale manter guerra perpétua com os pérfidos e sonsos que conceder-lhes paz, porque esta não lhes serve senão como uma cobertura e um véu para melhor iludirem e enganarem os que neles se fiam. Assim, estes novos reconciliados, cuidadosos em predispor os holandeses por meio de cumprimentos e gentilezas que acompanhavam de curiosas e ricas liberalidades, passando na estima dos Senhores do Recife pelos mais sinceros dos homens, enquanto os cegavam com seus afagos estudavam, com os portugueses do país, os meios de suplantá-los, animados pela vontade de terem todos um único amo. Mostravam-se igualmente muito dóceis em relação aos magistrados, só se aproximando deles com profundo respeito e humilde submissão, de modo que seria preciso ler em seus corações para presumir mal de tantas cortesias; chegavam a não querer processos e cediam à palavra os holandeses, fazendo-os juízes de sua própria causa.Os portugueses, bastante sóbrios em suas mesas, constrangiam-se a dar banquetes esplêndidos, para os quais convidavam os holandeses, a fim de insinuar-se insensivelmente em sua benevolência. Souberam tão bem e de tal modo adormecê-los por meio desses agradáveis artifícios, aos quais se juntava a afluência de ouro e de prata, trazidas expressamente pelos portugueses partidários do Rei ao Recife para a compra de toda sorte de mercadorias que fingiam vir procurar, embora as recebessem suficientes e igualmente boas de Portugal, que as piastras aí se tornaram tão comuns a ponto dos merceeiros e revendedores encherem com elas os seus cofrezinhos.

Carestia extraordináriaAs coisas tinham subido a um preço incrível; a libra de carneiro ou de vitela estava a quarenta soldos; a de porco, que neste lugar é a mais sã e mais delicada, custava três libras; um ovo fresco, dez soldos; uma galinha, dez libras; um leitão, quinze libras; um peru, vinte e cinco libras; o par de pombos, três libras; o vinho de Espanha, da França e a boa cerveja, cinco libras a pinta, a medida de Amsterdão, que não é senão o quartilho de Dijon; o pano grosso, cinqüenta soldos ou três libras. A menor moeda era um soldo; uma pistola por cabeça nas hospedadas para as pessoas de condição modesta era o preço comum. Os feitores dos senhores de engenho recebiam de três a quatro mil libras de ordenado, de tal modo que quem era livre juntava com um pou-co de habilidade, muitos bens. Tudo isso a colônia holandesa imputava à grandeza de suas conquistas, mas se ela tivesse podido prever os augúrios sinistros de seu próximo aniquila-mento, saberia que a situação apresentava semelhança aos archotes que jamais produzem claridade tão luminosa como a de quando estão prestes a se extinguir.A Companhia das Índias, junto à qual o Conselho de Recife recomendara tão bem os portugueses, mandando-lhes os grandes frutos produzidos pela paz, foi convidada a res-tringir tantas despesas inúteis tornadas necessárias pela guerra, e não considerando mais suas milícias senão como um incômodo, do qual podia se desfazer facilmente, reteve so-mente 1500 ou 1600 homens a soldo, que manteve como pesos mortos nas praças fortes, dispensando todos os outros, reenviados à Holanda. Vários ficaram no país a negociar, co-mo habitantes; a fim de melhor obsequiá-los eram-lhes emprestados ou vendidos a bom preço escravos da Companhia, que faziam trabalhar.Colégio do Alto Conselho, composto de dois negociantes e um carpinteiro.O Conde João Maurício de Nassau voltou à Holanda depois de diversas admoesta-ções severas, tendo levado com ele grande quantidade de riquezas juntadas durante sua estada de seis anos. Deixou o fardo do governo ao Colégio do Alto Conselho, de que era o chefe, composto de três pessoas: Hamel, comerciante de Amsterdão, Bas, ourives de Harlem, e de Bullestrate, mestre carpinteiro da cidade de Midelburgo, na Zelândia. Possuíam eles ótimo senso comum para fazer o balanço, num escritório, das vendas e compras, despesas e receitas da Companhia, e eram capazes de se lembrar do número das caixas de açúcar dos