História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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Execução pronta dos castelhanos pelos portugueses. Jejum público ordenado em ação de graçaTodos sabem ter sido a elevada resolução dos portugueses de se libertarem do jugo da Espanha tão engenhosamente executada que exterminaram os castelhanos quase ao mesmo tempo em todos os lugares onde haviam estado como dominadores e dos quais tinham se tornado senhores, apesar de distanciados de mil a duas mil léguas uns dos outros. Isso verificou-se sobretudo no Brasil, onde a raça foi extinta. Os da Baía de Todos os Santos comunicaram rapidamente tais acontecimentos ao Conselho de Recife, ao qual pediram trégua, na esperança de ajustarem a vida juntos, como bons amigos. Esse propósito foi confirmado em cartas da Holanda e ordenou-se um jejum público em Recife e em toda a extensão da conquista, a fim de agradecer a Deus pelo enfraquecimento das forças da Espanha e pela liberdade reconquistada pelos portugueses.

Artigos concedidos ao Rei D. João IVD. João IV, seu novo rei, enviou embaixadores aos reis, príncipes e repúblicas da Europa, pediu sua amizade e socorro ao Rei da França e a seus aliados. Os Estados Gerais enviaram-lhe navios armados, soldados e víveres e por sua conta e a seu pedido trataram a paz com ele para todos os países e súditos que ambos possuíam além e aquém da linha equinocial, Europa, África e América e especialmente no Brasil, cujos artigos sumários são os seguintes: Os Estados Gerais e a Companhia das Índias a eles subordinada continuavam senhores soberanos e proprietários de todos os países, ilhas e povos conquistados, desde que aí trouxeram suas armas até o ano 1641; a outra parte do Brasil pertenceria a D. João IV e a seus sucessores, como legítimo Rei. Todas as guerras e atos de hostilidade cessariam futuramente, sendo esquecidos por ambas as partes. Seus súditos poderiam ir e vir e negociar juntamente, sendo-lhes proibido travar querelas quanto ao passado, devido à religião, etc.

Demonstração feita pelos religiosos aos DezenoveOs Estados Gerais não desejavam absolutamente incluir o Brasil neste tratado, pelo conselho que lhes deram algumas pessoas judiciosas, mas a Companhia das Índias, pelas suas importunas representações fê-los condescender nesse ponto. Os religiosos de Portugal vindos a Haia a fim de visitar os Dezenove, procuraram convencê-los que seria fácil viverem todos felizes num tão belo clima, que não devia continuar como teatro de guerra, onde era espalhado o sangue cristão; os homens, estas preciosas obras de Deus vivo, depois de tantos assassinatos e carnificinas, cujo só pensamento causava horror, deveriam refletir e reconhecer que não estavam sobre a terra para se estrangularem, mas, antes, para se pouparem e socorrerem uns aos outros; a guerra era inimiga mortal das virtudes, a escola da impiedade, a ruína e o desperdício dos dons e bens que a bondade divina nos distribuiu e tornava sempre miseráveis os lugares onde era acolhida; a companhia devia almejar uma prosperidade honesta e não colocar sua felicidade nos saques e destruições de seus vizinhos; só a paz poderia contentá-las igualmente. Os Dezenove examinaram então quantos tesouros voltariam a seus cofres, quanto dinheiro por eles economizado era preciso destinar à tropa de terra e do mar, que consumia a quintessência de seus rendimentos, verificaram que tinham bastante território e habitantes para cultivá-lo e que se viessem a gozar de uma tranqüilidade de treze a quatorze anos realizariam lucros imensos e disporiam de oportunidades sem exemplo. Os Estados, persuadidos destas razões, aprovaram estes sentimentos e acreditaram, também, que aí estaria um poderoso elo para ligá-los a esta nação e por este meio, abater os espanhóis e conquistar as suas mais belas províncias.A paz foi assim geralmente estabelecida, mas antes que a notícia tivesse sido publi-cada em Recife, enquanto estavam a caminho os navios que a traziam, os senhores do con-selho fizeram ao mar uma frota que tomou a direção da África, onde os portugueses pos-suíam boas praças e também tinham matado os castelhanos que aí os haviam dominado. Os portugueses dizem que os navios partidos da Holanda para trazer a notícia da paz encontraram essa frota e que os que a conduziam lhes rogaram não divulgassem havê-la visto e não mandassem tão cedo anunciar esta paz, porque iam rapidamente levar a cabo uma bela empresa; que seguindo cada um a sua viagem, a esquadra foi atracar em Angola, a setecentas léguas de Recife, em linha reta onde atacou de surpresa e venceu a cidade e fortaleza de Loanda de São Paulo, Maranhão, São Tomás e outros lugares, não deu quartel aos portugueses, aprisionou alguns e num instante se viu senhora do país. Foi a paz, entretanto, publicada nas duas partes do Brasil e o Vice-Rei e o Conde João Maurício de Nassau juraram fazê-la observar inviolavelmente em todos os pontos, visitando-se na Bahia e no Recife. Não houve, então, senão aclamações, fogos de artifícios, festas e passatempos. Mas a tomada de Angola causou murmúrios e o Vice-Rei contentou-se em mandar avisar incontinenti ao Rei de Portugal, seu senhor, que estava preocupado em firmar-se no trono. Os senhores de Recife enviaram, igualmente, deputados aos Estados Gerais e à Companhia das Índias para instruí-los de suas razões. D. João IV não deixou de apresentar queixa a S. Majestade Cristianíssíma a qual mandou fazer representações aos Estados Gerais pelo seu embaixador ordinário na Holanda, onde o de Portugal, presente, alegou que estas praças tinham sido tomadas contra o tratado de paz, de que os holandeses e portugueses estavam avisados no Brasil; os de Angola estavam dele advertidos e tinham-se deixado abordar pelas tropas da Companhia sem resistência, permitindo-lhes entrar para acolhê-los como amigos, e que, no entanto, tinham sido geralmente massacrados e visto seu país e suas praças perdidas; pelo que pediam a restituição com juros, o que seria pura justiça em face desse atentado. Os deputados de Recife alegaram que este discurso era hipotético e calunioso, que não estavam avisados da paz e sua esquadra já havia partido e se achava em Angola quando as cartas chegaram; embora os portugueses dissessem ter sido acordada a paz, dela não tinham certeza; eram subordinadas e só se deviam inclinar perante as cartas de seus superiores; logo que souberam da paz e esta foi publicada, mandaram a notícia à frota, que já havia conquistado o país e as praças; depuseram imediatamente todas as armas e ficaram somente na defensiva. Alegaram ainda que os portugueses de Angola se tinham defendido bem e lutado valorosamente para impedi-los de alcançar o seu objetivo tendo sido mortos diversos holandeses, e que não se podia dizer que os de Recife tivessem infringido a suspensão de armas, pois esta fora concedida para o Brasil e não para a África; a conquista que eles ali tinham levado a efeito era de boa guerra, pertencia-lhes legitimamente pelo direito das armas e não deviam nem podiam restituí-la. Os Estados Gerais fizeram saber que este negócio dizia respeito a alguns particulares, sendo necessário que os mesmos fossem informados da verdade, antes de responder.Os holandeses conservaram por provisão estas praças e território, aí colocaram um diretor com alguns secretários para governá-los segundo suas ordens, com o poder de cominar soberanamente a pena de morte, exceto aos oficiais, cujo julgamento continuou a caber aos Políticos; procuraram a aliança dos Reis do Congo e da Rainha de Angola, que lhes permitiram construir e habitar no máximo a duas ou três léguas ao longo de suas cos-tas e conseguiram diversas riquezas do tráfico que realizavam com os súditos dos mesmos.Ainda que o Rei de Portugal não pudesse conformar-se com esta perda, considerada uma usurpação, não ousou, todavia, renovar a guerra, porque não se sentia bastante poderoso. Além disso, pelo fato de ser o Brasil povoado e cultivado apenas pelos súditos naturais, acreditou não lhe seria impossível tornar-se um dia o único possuidor dele, por outra via que a das armas. Era preciso dissimular e não deixar transparecer o seu ressentimento, não falar mais de Angola e passar sobre isso em silêncio, prevalecer-se desta paz e servir-se dela tanto quanto a achasse propícia à realização de seus desejos. De fato, a tomada de Angola não trouxe nenhuma alteração e permaneceu, aparentemente, como esquecida. Os Portugueses adeptos do Rei pareceram de preferência, lançar os fundamentos de uma perdurável