História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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nos desertos e tinham tal terror das armas portuguesas e do fogo invisível, que saía de seus mosquetes e fuzis causando-lhes feridas mortais, que se afastavam do convívio dos cristãos. Radiantes, assim, por uma graça tão pouco esperada, vieram, eles próprios, oferecer seus serviços a seus benfeitores, os quais, habitualmente, cumularam-nos de pequenos presentes, ensinaram aos brasilianos o manejo das armas e a bem atirar com elas.

Medo que os tapuias têm das armas de fogo. Clavas dos tapuias.Maca é uma tela de algodão de que se servem os tapuiasOs tapuias, porém, nação mais brutal, que vivem completamente nus nas matas, como vagabundos (havendo alguns que habitam em comum nas aldeias ou vilas, mas que se locomovem de seis em seis meses para serem mais sadios e andam por todos os lugares), estes nunca puderam acostumar-se e logo que se lhes apresenta um fuzil, lançam-se em terra e prontamente se levantam, sem, às vezes, dar tempo de carregá-lo novamente. Levam apenas clavas largas e chatas na ponta, feitas de uma madeira dura com as quais partem um homem ao meio com um só golpe. Entretanto, os holandeses serviram-se de uns e de outros e tendo-os muito bem entrosados, seu exército realizava com eles maravilhosos progressos. Conduziam-nos pelos lugares mais ásperos e difíceis, passavam eles próprios a nado os soldados que não ousavam aventurar-se nos grandes rios, marchavam e corriam com uma velocidade incomparável adiante, atrás e ao lado, cortavam, com machados que se lhes entregara, os espinheiros e silvados espessos que tornavam anteriormente o mundo tão pequeno, levavam dois a dois numa maca, que é uma tela de algodão feita como as redes de pescadores, os oficiais cansados ou indispostos e os soldados doentes; projetavam as emboscadas, levavam os holandeses a lugares onde os inimigos eram surpreendidos e mortos. Se houvesse necessidade de bater-se em campo raso, os portugueses tinham certeza de perder a vida caso não fugissem, pois estes tapuias e brasilianos, excitados, queriam eles próprios matar aqueles que pensavam retê-los como prisioneiros. Todavia isso só acontecia muito raramente e de soldados para soldados, na ausência dos outros.

Falta de humanidade dos tapuias e brasilianos Os habitantes do campo tomados sob a proteção da Companhia das Índias, ainda que se lhes dessem salvo-condutos, jamais estavam seguros. Assim, o povo português gemia oprimido por desolação tão imprevista, via o ouro e a prata, grandes bens de que regurgitavam, ao abandono e à pilhagem, e seus vizinhos, parentes e amigos seriam a todo instante vítimas miseráveis destes selvagens que se banqueteavam com os seus corpos, aos quais tinham feito experimentar toda espécie de barbaridades. O céu, irritado, não podendo tolerar tal coisa, enviou-lhes este flagelo, tanto para castigá-los da sua tirania, como para puni-los e abafar as ações abomináveis que os maculavam, cometidas tão comumente que forneciam exemplo de todas as espécies de crimes e de desonestidade, vivendo eles segundo sua fantasia e não segundo Deus, que bem sabe fazer cessar a prosperidade dos que o desprezam.

Os primeiros generais dos holandeses destinados às Índias foram alemãesDissemos que o Rei de Espanha e seu Vice-Rei se armaram poderosamente para opor-se aos ataques da Companhia das Índias, a qual, de sua parte, enviava todas as forças e munições possíveis para fazer-lhes frente. Não desejo tratar pormenorizadamente das batalhas ganhas pelos holandeses, dos sítios, tomadas, retomadas e ataque a praças, localidades e cidades de importância, do grande número de homens mortos em diversos recontros. Direi somente que em dezessete anos, pelo valor de seus soldados (dos quais a maioria era constituída de franceses) e sob a direção dos Generais Sigismundt Schkoppe e Arciszewske, alemães, e do Conde João Maurício de Nassau, sempre favorecidos pela fortuna, conquistaram cerca de trezentas léguas do país em comprimento, contíguas umas às outras, e todos os fortes e praças que os tinham em sujeição, para tomá-los além da capitania do Ceará, próximo da Linha, até a Baía de Todos os Santos. Submeteram-nas às suas leis, com todos os portugueses do país que, por este meio, voltaram novamente, pouco a pouco,Poderio dos senhores de engenho de açúcar. Modo de fazer o açúcar. Judeus de Amsterdão chamados ao Brasil e razão disso.

à sua antiga prosperidade e principalmente os senhores (ou, como eles chamam, os senhores de engenho de açúcar) esparsos pelo campo, que possuíam mais terra, ali, que os grandes senhores possuem na França, tendo comumente a seu serviço até cem e duzentos escravos. Os feitores faziam estes escravos trabalhar e cultivar os canaviais ou campos de açúcar, colher as canas-de-açúcar, levá-las e colocá-las na prensa para obter o licor, cortar e trazer a madeira para os fornos, manter-se perto das caldeiras, fazer cozer e recozer este açúcar para o coalho, dar-lhe sua cor e, finalmente, branquear o açúcar mascavo (antes de refiná-lo) com certa terra, cinza de certa madeira e azeite de oliveira. Enquanto duraram estas vantagens, os tapuias e brasilianos tornaram-se astuciosos e esconderam os rebanhos e valores tomados e pilhados aos portugueses. Os oficiais e magistrados do Recife, ao terem conhecimento dessa situação, pretextaram o bem da Companhia para obter o seu e proibiram os da Europa (chamados de "brancos") de vender-lhes fosse o que fosse e, igualmente, de comprar deles, sob graves penas. Estabeleceram, entretanto, que seus amanuenses lhes debitariam aguardente, vinho de Espanha e fumo, coisas de que são extremamente gulosos e também outras miudezas, como panos, pentes, facas, agulhas e alfinetes. Conseguiram por este artifício o que haviam proibido e forçavam o preço que queriam. A cobiça desses magistrados foi crescendo e, desejando eles retirar ainda mais das mãos dos soldados o que estes conseguiam adquirir dos selvagens e da pilhagem dos portugueses, inventaram que só os que tivessem ordem sua poderiam vender aos selvagens ou fiar-lhes qualquer mercadoria, enquanto estivessem no campo, e só o que dissessem provir do armazém da Companhia. Nada, portanto, em conseqüência dessas ordens lhes era negado em seus festins, enquanto houvesse gêneros ou dinheiro para pagar e por meio desta esperteza atribuiram-se, finalmente, todo o lucro. E ainda mais, a fim de tornar o seu comércio mais célebre e aumentar os seus rendimentos, chamaram judeus de Amsterdão, devido aos grandes tributos que estes pagavam, deram-lhes duas sinagogas, uma em Recife e outra na Cidade Maurícia, onde lhes permitiram, como aos outros, construir. Diversos portugueses, então, que anteriormente haviam feito aparente profissão de cristianismo, a ele renunciaram abertamente e se enfileiraram ao lado dos judeus, praticando tantas usuras e exações indevidas que sugaram insensivelmente o cerne e a substância dos bens dos cristãos.

Exações praticadas pelos holandeses.Estes administradores da coisa pública só almejavam o lucro e o proveito da Companhia (a fim, diziam eles, de suportar as despesas da guerra) e exigi-ram, ainda, de todos os súditos das cidades, das vilas e do campo, a vigésima parte do valor de suas propriedades, segundo sua avaliação, e por diversas vezes a décima dos aluguéis das casas. Cobravam o pedágio da ponte de madeira que ligava Recife a Santo Antônio, o que, sem contar os outros tributos, deu a ganhar àqueles que tinham levado a cabo o empreendimento com um fito de utilidade pública cem vezes mais do que o seu custo. Os arrendatários que haviam combinado a construção com os Magistrados fizeram-se pagar em Recife, na Cidade Maurícia em particular e em todo o campo em geral, exigindo impostos tão excessivos pelo direito de passagem da ponte para os homens, cavalos, carros e mercadorias, que um homem a cavalo e seu escravo chegavam a pagar trinta e dois soldos. Além disso, não era permitido, fosse a quem fosse, mesmo aos holandeses, trafegar por aí e embarcar qualquer coisa a não ser nos navios da Companhia; as mercadorias e objetos eram taxados de tantas gabelas correspondentes aos direitos de registro, reconhecimento, controle, avarias marítimas, desembarque, verificação, armazenagem, imposto alfandegário, que o pouco lucro restante depois da dedução desses tributos teria desanimado os mais laboriosos, se não fosse a venda aos portugueses, a preços excessivos